Imóveis que antes tinham liminares judiciais garantindo a cobrança com base no consumo real passaram a ter o valor calculado pelo sistema chamado “mínimo multiplicado pelas economias”
Moradores de prédios e vilas do Rio de Janeiro têm relatado aumento nas contas de água após uma suposta mudança na forma de cobrança. A alteração segue entendimento fixado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado, de que condomínios com apenas um hidrômetro devem pagar uma tarifa mínima de consumo multiplicada pelo número de unidades no local. Com isso, imóveis que antes tinham liminares judiciais garantindo a cobrança com base no consumo real passaram a ter o valor calculado pelo sistema chamado “mínimo multiplicado pelas economias”.
Nesse modelo, a tarifa mínima é multiplicada pelo número de economias, ou seja, o total de apartamentos ou casas no endereço, mesmo que o consumo real medido pelo hidrômetro seja inferior ao valor resultante dessa multiplicação.
No Rio de Janeiro, a tarifa mínima equivale ao consumo de 15 metros cúbicos por residência, informou a Águas do Rio. No caso de imóveis comerciais, o valor mínimo corresponde a 20 metros cúbicos. Isso significa que, mesmo com consumo abaixo desse volume, o valor cobrado será o da tarifa mínima. Quem ultrapassa esse limite entra na cobrança por tarifa progressiva, um outro modelo de cálculo que funciona como uma bandeira dois do taxímetro.
— Desde a revisão, portanto, os condôminos de condomínios de um hidrometro apenas estão obrigados a pagar uma franquia mínima de consumo. Funciona como um plano de celular. Mesmo que você consuma menos água que esta taxa mínima, o consumidor estará obrigado a pagar pelo que ele não usou, mas lhe foi disponibilizado — explica o advogado Ermiro Neto, doutor em Direito Civil pela USP e professor de Direito Imobiliário.
O especialista destaca que todos os casos analisados pelo STJ até o julgamento do tema eram do Rio de Janeiro, o que, segundo ele, sugere tratar-se de um problema local. Ele ressalta ainda que o entendimento fixado não afeta decisões com trânsito em julgado, mas impacta os casos que tinham apenas decisões provisórias:
— Quem mais sai prejudicado é quem usa pouco ou está com imovel fechado, ja que fica obrigado a pagar a franquia mínima — afirma.
Reclamações levam deputado a questionar concessionária
O aumento das reclamações de consumidores atendidos pela concessionária Águas do Rio levou o vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa, deputado Dionísio Lins (Progressistas), a enviar um requerimento de informações à direção da empresa.
No documento, ele questiona quais os critérios adotados para a alteração da cobrança e por que não houve comunicação prévia aos consumidores explicando a medida. Para o deputado, o modelo é injusto:
— Recebemos reclamações de moradores e administradores de prédios do Centro da cidade, inconformados com o aumento dos valores nas contas após a implantação da nova cobrança. Para se ter uma ideia, um administrador de um prédio no Centro informou que dois anos atrás o valor da conta d’água era em média de R$ 120 mensais, e com o novo cálculo esse valor chega a quase R$ 1.200,00, imagine isso multiplicado por vários blocos — questiona o parlamentar.
De acordo com o deputado, caso a resposta da empresa não seja satisfatória, irá ingressar com uma ação na Procuradoria de Tutela de Defesa do Consumidor do Ministério Público (MP). Além disso, vai solicitar que a Associação Brasileira de Administração de Imóveis e a Associação Comercial do Rio de Janeiro se manifestem sobre o assunto. Ele pretende saber quais são os bairros e o tipo de imóveis mais atingidos com esse tipo de cobrança, se comercial ou residencial; e qual o impacto que isso representa no valor do aluguel, taxas condominiais e em porcentagem no valor da conta d’água.
Modelo de cobrança sempre foi utilizado
Procurada pelo EXTRA, a Águas do Rio informou que, até o momento, não recebeu o requerimento, mas está à disposição para prestar esclarecimentos. Em nota, a empresa afirmou que a cobrança pelo consumo mínimo tem respaldo legal e foi validada pelo STJ em junho de 2024, ressaltando que o modelo tarifário já era utilizado antes da concessão no estado:
“A Águas do Rio esclarece que a cobrança pelo consumo mínimo está prevista na Lei Federal nº 11.445/2007 e no Contrato de Concessão firmado com o poder público. O modelo tarifário atual, que já era adotado antes da concessão no estado, foi validado por unanimidade pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em junho de 2024. Com essa decisão, liminares que autorizavam um pequeno grupo de clientes (menos de 1%) a pagar valores inferiores perderam efeito”, diz a empresa.
A concessionária destacou ainda que a cobrança mínima está prevista no Marco Legal do Saneamento, além de ser um instrumento fundamental para ampliar o acesso à água e ao esgoto, com foco na meta de universalização:
“Ela viabiliza o chamado subsídio cruzado, mecanismo em que parte da população contribui para que famílias de baixa renda tenham acesso à Tarifa Social, que oferece 60% de desconto na conta de água. Atualmente, 2,1 milhões de pessoas são beneficiadas por ela”, completa a concessionária.