Em Santa Catarina, precisamente na cidade de São José, no bairro Kobrasol, um condomínio se transformou em palco de debate nacional ao propor algo inusitado: proibir relações sexuais barulhentas após as 22h, sob pena de multa de R$ 237 e ameaça de expor gravações em reuniões, além de considerar instalar sensores de decibéis nos corredores. Apelidada como “toque de recolher do amor”, a medida gerou reações que mesclam humor, indignação e questionamentos jurídicos profundos.
Inconstitucionalidade à vista
No contexto do Direito brasileiro, a proibição de relações íntimas dentro da própria residência configura uma cristalina invasão de privacidade e afronta a liberdades protegidas pela Constituição. O último parágrafo do artigo 5º estabelece que:
Artigo 5º, X: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Tal prerrogativa jurídica garante a autonomia do indivíduo dentro de sua própria moradia, e configura medida inconstitucional qualquer norma, mesmo interna ao condomínio, que restrinja ou regule a intimidade alheia.
Legitimidade de atuação
O síndico tem autoridade legítima sobre as áreas comuns e pode, amparado por normas de convivência e pela lei de silêncio, penalizar barulhos excessivos que perturbem o sossego coletivo, desde que em consonância com o devido processo, razoabilidade e a legalidade do regimento.
Porém, a intimidade e os atos realizados dentro da unidade privativa pertencem à esfera inviolável do morador. O regimento interno ou convenção condominial não pode sobrepor-se ao direito constitucional.
O condomínio é responsável em multar até quem faz barulho excessivo após as 22h, mas nunca autorizar ou proibir atividades íntimas dentro do apartamento, já que o síndico pode cuidar das áreas comuns dos condôminos, mas, dentro do imóvel é com o morador.
Tripé do Código Civil: sossego, saúde e segurança
O artigo 1.277 do Código Civil estabelece que o proprietário tem o dever de evitar interferências que prejudicam a segurança, a saúde e o sossego dos vizinhos, baseando-se também nos limites ordinários de tolerância, conforme o local, a zona e costume local. Ainda que o barulho excessivo possa violar esses princípios, atos íntimos dentro de casa não podem ser regulados de forma coercitiva por imposição condominial.
O amor não cabe na clausura. O Direito, sim
A proposta do condomínio ultrapassa o limite entre o razoável e o constitucional. Regulamentar o barulho? Sim. Coibir barulho excessivo? Eventualmente, se houver comprovação de dano real. Mas impor um “toque de recolher do amor”? Isso é normativo que invade a esfera mais íntima de cada pessoa, atenta contra direitos fundamentais e fere o Estado de Direito.
O amor, com seus ruídos, gemidos ou risos, habita no privado. E é neste terreno que o Direito, com sensibilidade e equilíbrio, deve proteger a liberdade de amar, sem silenciar o corpo em nome da ordem.