Liberdade econômica X segurança: condomínio pode restringir o aluguel por temporada?

airbnb e condomínio

Conflito entre donos de imóveis e condomínios cresceu junto com a expansão das plataformas de aluguel por temporada e acabou na Justiça

Anna França

A disparada dos aluguéis por temporada por meio de plataformas digitais ajudou a ampliar os conflitos nos condomínios residenciais brasileiros. O embate se concentra no ponto de equilíbrio entre o direito de propriedade – que garante ao dono a liberdade de usar e explorar economicamente seu imóvel – e o poder normativo dos condomínios, que buscam resguardar segurança, sossego e a convivência coletiva.

De um lado, a Lei do Inquilinato (Lei 8.245/91) prevê expressamente a modalidade de locação por temporada, permitindo contratos de até 90 dias. Essa prática é considerada legítima e compatível com a destinação residencial do imóvel.

De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já reconheceu que a hospedagem rotativa, viabilizada por aplicativos digitais, pode assumir caráter comercial semelhante à hotelaria, o que abriria espaço para restrições previstas nas convenções condominiais.

Para o advogado Marcos Vinicius Poliszezuk, sócio do Poliszezuk Advogados, a linha de corte está na finalidade residencial. Ele explica que, eEmbora o proprietário possua amplo direito de explorar economicamente seu imóvel, essa prerrogativa não é absoluta e deve coexistir com o direito dos demais condôminos ao uso pacífico do prédio.

“O condomínio pode, se previsto em convenção e aprovado com o quórum exigido, restringir ou até proibir a exploração do imóvel como hospedagem por plataformas digitais, sobretudo em edifícios exclusivamente residenciais”, defende.

O advogado Henrique Covolam, do Bruno Boris Advogados, lembra que o tema vem ganhando tanta notoriedade que já avança também no Legislativo. Ele conta que o projeto de reforma do Código Civil que tramita no Senado busca autorizar de forma expressa os condomínios a vetarem esse tipo de locação atípica. “A ideia é reforçar o poder das convenções condominiais para delimitar se a destinação será apenas residencial, mista ou comercial”, explica.

Ele acrescenta ainda que essa discussão já chegou também até o campo tributário, com interpretações de que a locação atípica poderia ser equiparada à atividade hoteleira e, portanto, sujeita ao pagamento de ISS.

Apesar da tendência de reforço ao poder condominial, há riscos de arbitrariedades, como alerta o advogado Max Bandeira, sócio do Bandeira Damasceno Advogados. “Nada impede que um contrato de temporada tradicional, feito fora de plataformas digitais, tenha a mesma rotatividade e impacto no condomínio. A ênfase na forma da contratação, e não no conteúdo da relação, pode abrir espaço para disputas e excessos.”

Perspectiva prática

Na visão da advogada Siglia Azevedo, especialista em direito imobiliário e mestre em sistemas de resolução de conflitos, o direito de alugar é assegurado pela legislação, mas não é absoluto. “O STJ já decidiu que o condomínio pode restringir esse tipo de prática se ela alterar a natureza residencial do edifício. Quando a convenção condominial tem previsão expressa de uso exclusivamente residencial, ela pode prevalecer sobre o interesse individual do proprietário.”

Siglia explica que o condomínio só pode impor restrições se tiver base legal e convenção aprovada em assembleia. Por outro lado, quando não há vedação formal, o proprietário tem liberdade para alugar. “Recentemente, tribunais estaduais têm seguido essa linha. Em São Paulo, já houve decisão permitindo o Airbnb em prédios cuja convenção não proibia a prática, justamente porque não havia base para restringir”, completa.

Debate em aberto

Enquanto não há um marco regulatório claro, o Judiciário segue decidindo caso a caso, e a tendência é que o debate ganhe ainda mais relevância diante do crescimento do mercado de hospedagem temporária – que já movimenta bilhões no país.

No centro da discussão, permanece a mesma pergunta: até onde vai o poder do condomínio de impor restrições e onde começa a proteção ao direito de propriedade individual?

Fonte: https://www.infomoney.com.br/minhas-financas/liberdade-economica-x-seguranca-condominio-pode-restringir-o-aluguel-por-temporada/

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