A mais alta instância trabalhista do país decidiu: condomínios que substituírem porteiros presenciais por sistemas de portaria virtual deverão indenizar os empregados dispensados.
A decisão, tomada pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho (TST), manteve a validade de cláusula de convenção coletiva paulista que prevê o pagamento de dez salários da categoria a cada trabalhador dispensado em razão da automação.
A norma foi firmada entre o Sindicato dos Condomínios de São Paulo (Sindcond) e o Sindifícios, sindicato dos empregados em edifícios. O objetivo da cláusula é mitigar os impactos sociais da automação, sem impedir a adoção de novas tecnologias.
Embora restrita à convenção coletiva paulista, a decisão cria um precedente de peso nacional, ao enfraquecer a resistência de sindicatos patronais. Isso porque nem todos os sindicatos de trabalhadores conseguiram incluir cláusulas de indenização nas negociações coletivas. Em várias regiões do país, o tema foi retirado das pautas de dissídio por falta de consenso entre as partes.
Com o novo entendimento do TST, os sindicatos poderão retomar o debate em futuras convenções coletivas, amparados pela interpretação de que a compensação social em casos de automação não fere a livre iniciativa, desde que construída por meio da negociação coletiva.
Compensação social em tempos de automação
O voto da ministra Kátia Arruda, que prevaleceu no julgamento, foi nesse sentido. Segundo ela, a cláusula “não impede a automação nem a terceirização, mas cria mecanismos de compensação social” — uma forma de harmonizar o valor social do trabalho e a livre iniciativa, princípios constitucionais que, no caso, se encontraram em tensão.
O entendimento do TST é que, embora as portarias virtuais tragam inegáveis ganhos de eficiência, é legítimo que os sindicatos criem salvaguardas temporárias para proteger categorias diretamente impactadas pela tecnologia.
Portaria virtual x portaria remota:
A portaria virtual substitui completamente a presença física, operando com controle de acesso automatizado e atendimento remoto 24h. Já a remota mantém parte do atendimento humano à distância, com profissionais atuando em centrais que monitoram diversos condomínios simultaneamente. Ambas representam a digitalização do controle de acesso, mas em graus distintos de automação.
Legislação sob disputa: DF e São Paulo tentam impor limites
A decisão do TST ocorre em meio a uma disputa legislativa sobre o avanço da automação condominial.
No Distrito Federal, a Lei nº 7.686/2025 restringe o uso de portarias remotas em condomínios com mais de 45 unidades. O argumento oficial é o de preservar a segurança, mas o setor considera a medida “um tiro no livre mercado”.
Para a presidente da Associação Brasileira das Empresas de Sistemas Eletrônicos de Segurança (Abese), Selma Migliori, a lei é um retrocesso: “limita a autonomia dos condomínios e impõe barreiras à modernização da segurança predial”.
Em São Paulo, tramita na Assembleia Legislativa um projeto de lei de autoria do deputado Márcio Nakashima (PDT) que pretende restringir a implantação de portarias virtuais em condomínios com mais de 30 unidades, sob o argumento de proteger empregos. O texto cita o risco de extinção de dezenas de milhares de postos de trabalho, reforçando o conflito entre eficiência e impacto social.
Automação e economia: entre 40% e 60% de redução na taxa condominial
A expansão das portarias virtuais é um fenômeno em franca ascensão. Segundo a Abese, mais de 14 mil condomínios brasileiros já adotaram sistemas de portaria remota ou virtual até 2024 — um número que deve crescer 25% neste ano.
O motor principal é econômico: a automação pode reduzir de 40% a 60% os custos com portaria, dependendo do porte do condomínio. Em tempos de orçamentos apertados, especialmente em prédios pequenos e médios, a tecnologia surge como alternativa quase inevitável para manter a sustentabilidade financeira.
Do porteiro ao operador remoto: uma transição em curso
Estima-se que até 150 mil postos de trabalho possam ser impactados pela expansão das portarias virtuais em larga escala.
Empresários do setor, contudo, contestam a ideia de perda líquida de empregos.
Segundo eles, o que ocorre é uma transição profissional: muitos porteiros têm sido recontratados por empresas de portaria remota, atuando em centrais de monitoramento, atendimento e controle de acessos.
Essas novas funções exigem maior qualificação técnica e, em alguns casos, oferecem salários superiores aos da portaria presencial. Para especialistas, trata-se menos de uma extinção e mais de uma reconfiguração do trabalho condominial, impulsionada pela digitalização e pela integração dos sistemas de segurança.
Impactos e reflexos da decisão do TST
Para os condomínios, o reflexo é duplo: de um lado, a possibilidade de indenizações pode elevar o custo da transição tecnológica; de outro, o reconhecimento jurídico da portaria virtual como realidade consolidada traz segurança jurídica aos contratos e operadores do setor.
Em última análise, a decisão do TST evidencia que a modernização do trabalho não precisa ser um jogo de soma zero.
O desafio é equilibrar inovação e inclusão, garantindo que a eficiência econômica não apague o valor humano que, por décadas, foi o primeiro rosto da vida em condomínio — o do porteiro.