O e-commerce brasileiro deverá encerrar 2025 com faturamento de R$ 224,7 bilhões, um crescimento de cerca de 10% sobre o ano passado, segundo projeção da Abiacom (Associação Brasileira de Inteligência Artificial e E-commerce). Esse valor é calculado a partir da estimativa do volume total de compras on-line, que é de 435 milhões de pedidos até o final de dezembro – alta de quase 5% em relação a 2024. Com tanta gente comprando pelos canais digitais, um problema se apresenta em uma das pontas desse comércio. As portarias dos condomínios estão ficando sem espaço para acomodar o grande volume de entregas, obrigando síndicos e administradores a planejarem soluções.
Em períodos de grande apelo de vendas no comércio virtual, como a Black Friday e o Natal, a situação se agrava porque a velocidade das entregas dos pacotes costuma superar o ritmo de retirada das encomendas pelos moradores. O resultado é uma montanha de caixas que se acumulam em um espaço exíguo, criando um problema logístico interno.
A síndica profissional Lais Regina Duarte Borges Seolin administra nove condomínios em Londrina e região. Somadas, são mil unidades habitacionais onde residem em torno de 2,5 mil pessoas. Em todos eles, houve um aumento expressivo no volume de encomendas nos últimos anos. “Praticamente dobrou em alguns condomínios, especialmente após a consolidação das compras on-line no pós-pandemia. Hoje, em determinados horários, o fluxo de entregas é contínuo, variando de alimentação a encomendas de grande porte. Em períodos como Black Friday e Natal, esse aumento chega facilmente a mais de 60% em comparação aos meses comuns”, calculou.
Rotina
“O aumento expressivo das compras on-line tem pressionado a rotina dos condomínios, que enfrentam sobrecarga na portaria e acúmulo de encomendas”, disse o presidente da Regional Norte do Secovi/PR, Paulo Oliveira.
Seolin observa que as portarias passaram a dedicar parte significativa de seu tempo exclusivamente ao recebimento, registro e organização de encomendas. “Isso altera a rotina tradicional porque o porteiro precisa conciliar controle de acesso, segurança e atendimento aos moradores com uma demanda crescente de logística interna.”
No condomínio com 304 apartamentos onde a porteira Taciany de Oliveira Santos trabalha há quase um ano e meio, na zona oeste de Londrina, o volume de entregas dobrou, comentou a funcionária. “Tem dias em que a gente mal cabe aqui dentro (portaria). Além da quantidade maior, os pacotes também aumentaram de tamanho porque hoje você compra de tudo pela internet. Estou vendo o dia em que vai chegar um cavalo aqui. Algumas coisas a gente tem que devolver porque não cabem aqui dentro, não tem espaço.”
Encomendas recusadas
Uma poltrona e um jogo completo de pneus foram algumas das encomendas já recusadas por Santos. Mas um entregador tentando fazer o seu trabalho e a funcionária de um condomínio se negando a receber por não ter onde acomodar a entrega é a química ideal para o início de uma confusão. “Na maioria das vezes a gente tenta explicar para o morador e ele vê a nossa realidade quando abrimos a porta ou a janela. Ele vê que está apertado. Alguns não gostam muito, mas acabam entendendo. Agora, com o entregador, já deu problema de bater boca por ele achar que a gente tem a obrigação de receber. Nesses casos, a gente se impõe porque senão vira uma bagunça.”
Como o crescimento do e-commerce não é uma situação temporária, pelo contrário, é o indicativo de uma mudança no comportamento de consumo da população e a tendência é de expansão, síndicos e administradores de condomínios tentam encontrar formas de facilitar o recebimento e a entrega de mercadorias. Nos empreendimentos sob a gestão de Seolin, por exemplo, foi implementada a padronização dos procedimentos, como a definição de horários específicos para retirada de encomendas, organização setorizada por torre e apartamento, além do reforço na comunicação com os moradores, orientando para que agilizem a retirada de seus pacotes para não prejudicar o trabalho dos porteiros.
E em períodos de crescimento sazonal das compras on-line, como a Black Friday, mais alguns ajustes são necessários. “Reforçamos orientações, aumentamos a frequência de conferência e organização das encomendas e também intensificamos a comunicação com os moradores para que retirem suas encomendas o quanto antes, reduzindo o volume armazenado”, disse Seolin.
Nesse processo de organização, a tecnologia é um instrumento essencial. Sistemas de registro de encomendas, câmeras, aplicativos de comunicação e ferramentas que notificam automaticamente o morador quando uma encomenda chega reduzem erros, agilizam o atendimento e dão mais segurança ao processo, destacou a síndica.
Mas nenhum desses recursos é 100% eficiente sem a colaboração e o bom senso dos condôminos. “Além do site de compras avisar que o pedido foi entregue, o condomínio usa um aplicativo e por lá os moradores são avisados sobre a chegada das encomendas. Mas tem gente que viaja e deixa as encomendas aqui, tem gente que espera juntar vários pedidos para vir retirar e, às vezes, os pedidos são volumes grandes e vão acumulando, ocupando muito espaço na portaria. Se eu vejo o morador passando, chamo e ele leva o pacote, mas se não vejo e ele não atende o interfone, vai ficando aqui”, comentou Santos.
Assim como aconteceu com os sites de compras, o volume de pedidos por aplicativos de entrega, principalmente de alimentos, também cresceu e contribui para sobrecarregar o trabalho nas portarias dos condomínios. “Tem dias em que eu estou atendendo telefone de fora, o ramal do prédio, atendendo o entregador que está trazendo a encomenda, o entregador do iFood e ainda tem morador aqui, esperando. É uma loucura. Tem alguns horários de pico, mas as entregas acontecem o dia todo. Antes, de domingo não faziam entregas (de e-commerce). Hoje, os entregadores vêm até aos domingos. Infelizmente, essa demanda muito alta nos sobrecarrega. Às vezes, a gente erra ou não consegue dar a atenção necessária para quem está pessoalmente aqui pedindo informação sobre o condomínio”, desabafou a porteira.
Construtoras estão atentas à nova demanda do mercado
O condomínio no qual a porteira Taciany de Oliveira Santos trabalha foi entregue em 2012. Naquele ano, o comércio on-line registrou 66,7 milhões de pedidos no país, resultado 552% abaixo da estimativa da Abiacom para este ano, que é de 435 milhões de pedidos. Nos projetos mais antigos, espaços destinados especificamente para armazenamento das encomendas não eram uma necessidade urgente. Mas nos empreendimentos lançados nos últimos anos as construtoras têm se preocupado em propor soluções.
Nos projetos do Grupo Plaenge, a inclusão do espaço chamado de Delivery tornou-se usual a partir da pandemia de Covid-19. A construtora identificou essa necessidade em razão do aumento da demanda de entregas provocada pela emergência sanitária. “Com o fim do isolamento, diante da tendência crescente das compras pela internet, mantivemos o espaço Delivery nos projetos por entendermos que facilita a rotina do condomínio e traz mais conforto aos moradores”, destacou o superintendente da Plaenge em Londrina, Rodolfo Sugeta. Desde a pandemia, todos os empreendimentos lançados em Londrina pelo grupo têm essa área incorporada à lista de ambiente.
Algumas características dessas instalações é que tenham acesso facilitado aos moradores e espaços planejados para acomodar diferentes tipos de encomendas, incluindo grandes e pequenos pacotes e cabides para roupas, por exemplo. Para alimentos que precisam de refrigeração, há geladeiras disponíveis.
A Vectra também está atenta a essa necessidade. O primeiro projeto com Delivery Hub, lembrou a diretora executiva da construtora, Roberta Costa Alves Nunes Mansano, nasceu em 2020. A empresa percebeu que uma demanda de mercado já existente cresceu de forma expressiva na pandemia, com o número de pedidos on-line em alta e pouco espaço nas portarias para acomodar todas as entregas destinadas aos moradores.
O primeiro empreendimento da construtora entregue com essa funcionalidade fica na região central de Londrina. Depois dele, todos os demais prédios lançados pela empresa ganharam esse diferencial. “Na hora de projetarmos o Delivery Hub, analisamos a proximidade com a portaria e as eclusas de serviços, por onde passam os entregadores. Por isso, na maioria dos edifícios, esse ambiente fica anexo à portaria e é acessível pelos moradores internamente”, explicou Mansano.
Armários e prateleiras são entregues pela construtora e as áreas de armazenagem possuem ainda infraestrutura para a instalação de refrigeradores.
Para os condomínios nos quais essa funcionalidade não foi incluída no projeto, existem algumas soluções no mercado. A síndica profissional Lais Regina Duarte Borges Seolin observa a necessidade de pensar em espaços alternativos, como a criação de salas específicas para delivery, instalação de lockers inteligentes ou ampliação das áreas de armazenamento. “A tendência é que isso se torne obrigatório no planejamento futuro”, comentou.
Em um condomínio localizado na rua Pio XII, no Centro de Londrina, o smart locker ou armário inteligente foi a escolha para solucionar o problema de falta de espaço para as encomendas. O sistema, em uso há um ano, consiste em um compartimento onde o entregador deposita a encomenda e é gerado um QR Code ou senha para que o morador possa retirar o pacote a qualquer horário. Essa é uma saída que reduz falhas de registro, evita extravios e desafoga o trabalho da portaria. “É muito prático. Com o QR Code no celular, a retirada dura menos de um minuto”, disse o síndico do condomínio, Guilherme Ribeiro. Para recebimento de encomendas maiores, que não cabem no dispositivo, as entregas devem ser agendadas com a zeladoria.
“Com a popularização das entregas rápidas, soluções automatizadas como essa devem se tornar cada vez mais comuns nos condomínios brasileiros”, observou o presidente Regional Norte do Secovi/PR, Paulo Oliveira.


