Gestão condominial: como mediar conflitos dentro dos condomínios?

Rafaela Capitão

Mediar conflitos pode ser considerada a tarefa mais desafiadora dentro da gestão condominial. Lidar com pessoas, manter a escuta ativa, confortar suas dores e mediar situações de divergência não é nada fácil, mas também está longe de ser uma missão impossível.

O mediador não é aquele que sempre encontra a solução para os mais diversos tipos de problemas. Afinal, em muitos casos, não depende apenas dele. No entanto, é a pessoa responsável por facilitar a comunicação entre os protagonistas do conflito. José Henrique Hornung, advogado, professor, fundador da PH3 Solutions, acredita que a comunicação é a palavra-chave para resolver e, inclusive, prevenir situações conflituosas.

QUAIS SÃO OS CONFLITOS MAIS COMUNS DENTRO DA COMUNIDADE CONDOMINIAL?

Eu diria que de 10 situações de conflito, sete são entre síndico e moradores. Há situações cotidianas que causam brigas entre vizinhos, como barulho, infiltração e problemas com animais de estimação. No entanto, o mais comum é o embate entre o gestor condominial e os residentes. Isso acontece porque as pessoas criam expectativas e, quando o síndico não as atende, cria-se um confronto decorrente desta frustração. Muitas vezes, o síndico é considerado frouxo demais, ou demasiadamente rígido. Em outros casos, é julgado por não cumprir o que promete. Por isso, é fundamental que a comunicação esteja sempre alinhada. Além disso, é importante ter consciência de que ao contra- tar um síndico, a comunidade deseja algo além do básico. Se

eu contrato um síndico profissional, não quero apenas o “arroz e feijão” bem feitos. As pessoas desejam algo a mais, querem inovação.

VOCÊ JÁ VIVENCIOU ALGUM CASO DE MEDIAÇÃO QUE LHE SURPREENDEU POSITIVAMENTE? 

Inúmeros. Lembro de um conflito entre dois vizinhos. A mulher morava no apartamento de cima. Às 6hoo, de segunda a sexta-feira, começava o barulho do salto alto. O “tec tec” incessante incomodava e acordava o casal que morava no apartamento abaixo, que vivia uma rotina de acordar mais tarde, pois eram donos de um restaurante que abria somente no horário de almoço e se mantinha aberto até a madrugada. Em contraponto, a moça era gerente de banco, mãe, e possuía uma rotina extremamente corrida. Em nossos primeiros encontros de mediação, ela se justificou: “Se eu não colocar o salto alto logo quando me visto, sou capaz de sair sem eles para trabalhar”.

No terceiro e último encontro de mediação, o casal presenteou a moça com um par de pantufas. Um ato que poderia ser irônico, mas que, na verdade, foi extremamente empático e gentil. A moça aceitou o presente e o problema foi resolvido. Ou seja, neste caso, comunicação e pantufas evitaram maiores dores de cabeça.

O QUE AS PESSOAS ESPERAM DE UM SÍNDICO? Em determinado momento, parei para pensar o porquê de algumas pessoas consumirem a marca A em vez da marca B, que oferece o mesmo produto ou serviço. Pesquisando, compreendi que o consumidor, em geral, opta pela solução mais prática e com o menor número de atritos possível. No caso da relação entre síndico e morador, não é diferente. As pessoas buscam por praticidade, por um serviço que solucione as suas dores e necessidades de forma otimizada. Ao ter consciência disso, o síndico deve pensar e identificar onde, atualmente, acontecem os maiores atritos em sua gestão. A partir disso, além de evitar conflitos, ele poderá entregar além do que promete.

PARA TODO CONFLITO HÁ UMA SOLUÇÃO?

Sem dúvidas! No entanto, quem faz a solução ser eficaz ou não, são os protagonistas do conflito. Tem gente que, em muitos casos, não está disposta a solucionar o problema. Muitas vezes, por conta de uma personalidade mais inflexível. No momento em que se opta por residir em condomínio, é importante compreender que tolerância e flexibilidade são fundamentais para o bom convívio. Só não há solução quando os protagonistas não estão dispostos a resolver o problema.

“SE VOCÊ NÃO É TOLERANTE E NÃO ESTÁ DISPOSTO A SER FLEXÍVEL, A SUA RESIDÊNCIA DEVE SER EM UM SÍTIO, E NÃO EM UM CONDOMÍNIO.”

HÁ CASOS EM QUE O SINDICO NÃO DEVE SE ENVOLVER?

Na minha perspectiva, o síndico deve se envolver em todas as situações como mediador. No entanto, não são em todos os casos em que ele deve ir até o final do conflito, pois há problemas que são de cunho pessoal. Ao não se envolver em determinado ponto da desavença, o síndico pode ser acusado de omissão. Por isso, costumo dizer que o síndico deve se envolver até onde os limites da legislação permitem que ele se envolva.

QUAIS SÃO AS “PALAVRAS MÁGICAS” QUE NORTEIAM A RESOLUÇÃO DE UM CONFLITO?

Acessibilidade: é preciso que tanto o síndico, quanto os protagonistas do conflito, estejam acessíveis para dialogar;

Empatia: colocar-se no lugar do outro é muito importante, independente da situação;

Disposição: para encontrar consensos, é fundamental que todas as partes envolvidas estejam dispostas.

COMO O SINDICO PODE SE PREPARAR PARA MEDIAR CONFLITOS?

Creio que mediar conflitos é uma habilidade aperfeiçoável, mas não aprendível. Penso que é uma condição nata, ou seja, nasce com a pessoa. Eu, particularmente, sempre fui um mediador, antes mesmo de ser síndico. Seja na escola ou em casos familiares, sempre fui o responsável por mediar situações difíceis. Mediar é como cantar, precisa ter talento. Se o síndico não nasceu com esse dom, ele não deve perder tempo com isso. Uma boa alternativa é contar com parceiros que sejam bons em mediação. Já conheci síndicos rápidos, organizados, estudiosos, prestativos, que são excelentes em diversos atributos, menos em mediar. Neste caso, é importante ter consciência disso e ir em busca de aliados que sejam ótimos mediadores.

“EM UM CONDOMÍNIO, UM DIREITO INDIVIDUAL NÃO DEVE SE SOBREPOR A UM DIREITO COLETIVO.”

OS CONFLITOS PODEM SER PREVENIDOS? 

Com certeza! Um bom síndico trabalha com ações preventivas. O que pode ser uma ação preventiva para evitar conflitos? A comunicação. Evitar conflitos é se comunicar. É papel do sindico instruir as pessoas sobre as regras e, inclusive, quanto às penalizações. Há pessoas que violam regras por puro desconhecimento. É claro que isso não a isenta da responsabilidade, mas é função do síndico falar a ela o que deve ou não ser feito. Quanto mais instruídas, mais conscientes e confortáveis as pessoas estarão dentro da comunidade condominial.

Facebook
Twitter
LinkedIn

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Posts relacionados

Newsletter

Fique por dentro de tudo que é importante sobre o mercado condominial!