Por André Abal*
A destituição de síndicos em condomínios edilícios constitui matéria de recorrente debate doutrinário e jurisprudencial. O deslinde da questão, todavia, tem sido por vezes contaminado por interpretações equivocadas do art. 1.349 do Código Civil, tomadas como fundamentos exclusivos para decisões judiciais. Essa leitura restritiva, que ignora tanto a interação sistemática das normas quanto a vigência parcial da Lei nº 4.591/64, resulta em soluções jurídicas insuficientes e, em alguns casos, contrárias à natureza do instituto condominial.
1. A Redação Restritiva do art. 1349 do Código Civil.
O art. 1.349 do Código Civil dispõe que a assembleia, especialmente convocada “para o fim estabelecido no § 2º do artigo antecedente”, poderá destituir o síndico mediante maioria absoluta de seus membros, caso pratique irregularidade, não preste contas ou não administre convenientemente o condomínio.
Vejamos que a redação é explícita em limitar a destituição do síndico exclusivamente à hipótese do parágrafo segundo do art. 1.348, que trata da assembleia convocada para fins de transferência a outrem, total ou parcialmente, dos poderes de representação ou das funções administrativas do cargo.
Portanto, a redação do art. 1.349 é restritiva. O que o artigo define, em leigas palavras, é que, havendo uma assembleia convocada para aprovar a transferência das funções ou de parte das funções do síndico para terceiros, nesta mesma assembleia, mesmo sem estar na ordem do dia, poderão os presentes deliberar a destituição do síndico, desde que cumpridas as exigências do referido artigo e que já listamos anteriormente.
O equívoco interpretativo detectado em parte da doutrina e da jurisprudência reside justamente em absolutizar tal comando legal, tratando o art. 1.349 como se fosse a norma central e exclusiva a reger toda e qualquer hipótese de destituição do síndico.
2. O Problema da Interpretação não Literal: Exemplo Jurisprudencial
Diversos julgados vêm exigindo a comprovação de má gestão, de irregularidades ou da ausência de prestação de contas como condição para afastamento do síndico. Tal exigência não encontra eco na literalidade do art. 1.349 e despreza tanto as disposições da convenção condominial quanto a disciplina ainda vigente da Lei nº 4.591/64.
Exemplo eloquente, dentre muitos precedentes, inclusive do STJ, encontra-se no julgamento da Apelação nº 0307813-08.2016.8.24.0064/SC, relatada pelo Des. Saul Steil, pela 3ª Câmara de Direito Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em 19/11/2024. No caso, a assembleia foi convocada especificamente para destituição do síndico, e não com base no art. 1.348, §2º, do Código Civil. Ainda assim, aplicaram-se as condicionantes do art. 1.349, como se fossem de observância obrigatória para toda e qualquer forma de destituição. Tais decisões, a nosso ver, incorrem em reducionismo normativo, desconsiderando o sistema jurídico condominial em sua integralidade, vide ementa do acórdão citado:
EMENTA: AÇÃO DE COBRANÇA. MULTA PELA RESCISÃO ANTECIPADA DE CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE SÍNDICO PROFISSIONAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. RECURSO DO AUTOR. DESTITUIÇÃO QUE SE DEU POR ASSEMBLEIA CONVOCADA DE FORMA EMERGENCIAL, COM ESSE ÚNICO PRETEXTO, EM RAZÃO DE IRREGULARIDADES PRATICADAS PELO CONTRATADO E A FIM DE EVITAR MAIORES TRANSTORNOS À CONTRATANTE. EXEGESE DO ART. 1.349 DO CÓDIGO CIVIL. NARRATIVA DO CONDOMÍNIO NÃO ILIDIDA PELO AUTOR. DENÚNCIA ANTECIPADA DO CONTRATO JUSTIFICADA PELO INADIMPLEMENTO DO CONTRATANTE. ASSEMBLEIA QUE NÃO FOI SEQUER OBJETO DE IMPUGNAÇÃO PELO CONTRATADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA IRRETOCÁVEL. APELAÇÃO DESPROVIDA.
3. Importância da Convenção e Vigência do Art. 22, §5º, da Lei 4.591/64
Diante desse cenário, cabe indagar: qual é o fundamento legal da destituição do síndico fora da hipótese delimitada pelo art. 1.349 do Código Civil?
É cediço que o Código Civil não revogou (totalmente) a Lei dos Condomínios e Incorporações (Lei 4.591/64), especialmente quanto ao seu art. 22, §5º, que determina: “O síndico poderá ser destituído, pela forma e sob as condições previstas na Convenção, ou, no silêncio desta, pelo voto de dois terços dos condôminos presentes, em assembleia-geral especialmente convocada.” Ou seja, prevalece o disposto na convenção condominial e, na falta desta, o quórum legal de 2/3 dos presentes.
Assim, é incorreto restringir o alcance da destituição às hipóteses do art. 1.349 e aplicá-las para toda e qualquer possibilidade de destituição. Não sendo o caso do art. 1.348, § 2º, a destituição respeitará a Convenção Condominial e, no silêncio dela, independente de qualquer motivação, se dará na forma do art. 22, § 5º da Lei 4.591/64.
É inegável que o Código Civil de 2002, ao absorver parte da disciplina condominial, deixou lacunas que fomentaram controvérsias interpretativas que causam muita insegurança jurídica entre os operadores da seara condominial. Sabemos que está em curso uma adequação do Código Civil que englobará o Capítulo destinado ao Condomínio Edilício, da qual se espera, venha sanar as celeumas deixadas pelo legislador originário.
Enquanto isso não se efetiva, é fundamental, portanto, que a Convenção Condominial discipline de forma clara o procedimento e o quórum exigidos para a destituição. Ausente essa definição, aplica-se imperativamente o padrão legal, impedindo decisões ou interpretações que possam afastar síndicos pela “simples” maioria dos presentes, sem que isto esteja previsto na convenção.
Lembramos por fim, que o cargo de síndico sempre será eletivo, não havendo de se falar em “rescisão de contrato de síndico”, outra anomalia que esporadicamente encontramos pelos tribunais.
* André Peixoto Abal é advogado especializado em Direito Condominial, sócio da Fênix Administradora de Condomínios em Balneário Camboriú/SC, com 23 anos de experiência. Professor em pós-graduação e certificado como Síndico 5 estrelas.