Dotados de procurações de proprietários que não querem se envolver, síndicos mal-intencionados aprovam obras desnecessárias – com orçamentos astronômicos
Um esquema sofisticado de irregularidades em condomínios tem chamado a atenção de moradores, advogados, políticos e autoridades de Niterói. Conhecida como a “Máfia dos Condomínios”, a prática envolve síndicos e conselhos administrativos que, aproveitando-se da falta de participação dos proprietários nas assembleias, aprovam decisões que ferem a constituição – como, por exemplo, tratar devedores de taxas condominiais como bandidos, e ameaçarem juridicamente com leilões do imóvel. Trata-se de um golpe especialmente aplicado em bairros valorizados como Icaraí, Ingá e Santa Rosa, onde agem de forma coordenada para tomar imóveis de moradores com dívidas condominiais.
Além disso, outra das facetas do golpe, que atua em várias frentes de uma instituição condominial, é a aprovação de obras desnecessárias com orçamentos astronômicos, sem qualquer concorrência – ações fantasiadas de legalidade, mas, em sua origem, de má fé e ilegais, que beneficiam diretamente as pessoas envolvidas no esquema.
Ao desmembrar as apurações da chamada Máfia dos Condomínios em Niterói – deflagradas pela reportagem de O DIA Niterói, a partir da primeira de uma série de matérias publicadas sobre o tema – chegamos às obras feitas apenas para arrecadar dinheiro. Apesar da maioria dos proprietários não concordar com a ação, nada podem fazer – já que as obras são aprovadas em assembleia interna, onde normalmente os proprietários não se envolvem e dão procuração para o síndico que, junto com os comparsas do conselho administrativo, formam uma verdadeira quadrilha e aprovam, muitas vezes, ações suspeitas. A denúncia é de uma moradora de Santa Rosa.
“A síndica do condomínio onde possuo apartamento, que se diz síndica profissional e ocupa o cargo a 20 anos por absoluta omissão de outros proprietários, resolveu retirar o portão de entrada do condomínio para a realização de uma obra no piso interno, gerando impacto de insegurança a todos os moradores. Uma semana depois resolveu contratar um segurança particular para colocar nas madrugadas, durante o período da obra. Tudo isso de maneira pouco transparente. Além do custo e da mudança no modus operandi tradicional do condomínio, diversos moradores ficaram indignados e foram reclamar com o zelador”, explicou a proprietária, aposentada e viúva.
COMO FUNCIONA O GOLPE
Forçar a vítima a perder seu imóvel em um leilão, com valores muito abaixo do mercado, formando um conluio com cartórios, conselho administrativo e advogados. Esse é o objetivo de síndicos e aliados golpistas, quando veem brechas jurídicas para tentar expropriar um bem imóvel da vítima, que é garantido constitucionalmente e inalienável, em uma época que a moradia digna é cada vez mais defendida como um direito humano universal. Funciona da seguinte maneira:
- Identificação de inadimplentes: Unidades com dívidas são mapeadas pela gestão.
- Negativa de negociação: Em vez de propor acordos, os síndicos aceleram ações judiciais.
- Superfaturamento de dívidas: Os valores são inflacionados com juros abusivos e honorários advocatícios desproporcionais.
- Leilões forçados: Imóveis são levados a leilão por valores abaixo do mercado, sem que os proprietários tenham chance real de defesa.
- Obras superfaturadas: Há suspeitas de que obras nos condomínios são usadas como justificativa para aumentar taxas e pressionar inadimplentes.
ABUSO DE PODER
Os envolvidos se aproveitam da celeridade dos processos judiciais e da falta de fiscalização para acelerar penhoras. As assembleias são manipuladas para aprovar medidas que favorecem o grupo, enquanto proprietários são tratados como criminosos, mesmo quando tentam negociar suas dívidas.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) está investigando o esquema, que pode configurar expropriação indevida de bens, crime contra o patrimônio e abuso de autoridade. Já a Câmara Municipal de Niterói, através de seu Presidente Milton Cal, declarou que irá conversar com todos os vereadores sobre o caso – o que, até agora, não ocorreu.
O vereador Daniel Marques instalou uma frente ampla, a Frente Parlamentar Condominial, onde discute toda a relação de condomínios com a cidade. “Este é um tema muito importante e caro para nós. Vamos fazer em breve uma reunião extraordinária para tratar deste tema com administradores, síndicos, síndicos profissionais e discutirmos se existe remédio jurídico pelo lado municipal para, minimamente, blindar isso. Em segundo lugar, trazer a Alerj e o Congresso para discutir se a legislação está sendo aplicada da forma adequada. Quantas parcelas são necessárias para entrar com uma ação judicial?; como é o rito para que a pessoa que quer parcelar sua dívida possa fazê-lo sem precisar passar pela assembleia do condomínio?; e o que é responsabilidade do síndico e o que é assemblear. É importante discutir isso para unir síndicos e proprietários, e entender onde está errado. É o momento de fazer uma grande peneira e evitar esses abusos na nossa cidade”, explicou o vereador, que já foi síndico do edifício onde mora, por dois anos. “Vejo de uma forma muito equivocada se alguém está defendendo leilão do único imóvel de uma pessoa. Na minha visão, se o único bem que a pessoa tem, não poderia leiloar. Existem outras possibilidades de cobrança, como dívida ativa e o parcelamento. Desta reunião que vamos fazer pode sair até um protocolo de segurança para o proprietário, que também precisa saber como fazer isso. Está registrando as tentativas de acordo por e-mail, ou por notificação extrajudicial? A Frente Parlamentar Condominial pode, inclusive, protocolar e construir cartilhas para os moradores, e começar a fazer uma conscientização do que é direito dela e o que não é, e para o síndico agir de forma responsável e que trabalhe com cuidado e na letra da Lei. Como Presidente dessa Comissão Parlamentar nós vamos movimentar isso”, conclui Daniel.
INCONSTITUCIONALIDADE
“O direito de propriedade é inalienável e garantido pela Constituição. O que estamos vendo é uma distorção do processo judicial, onde o morador é tratado como criminoso por dever taxas condominiais”, afirma o advogado Paulo Mendes, especialista em direito imobiliário.
Além do impacto humano e social causado pela perda patrimonial, os moradores enfrentam traumas psicológicos, desestruturação familiar e dificuldades para recomeçar. “É preciso que o Judiciário reveja sua postura e que os órgãos de fiscalização atuem com rigor. Estamos diante de uma violação sistemática de direitos fundamentais”, alerta o jurista Ricardo Antunes.


