STJ decide sobre os honorários contratuais em execução condominial

dívida condominial sob análise do stj

Pedro Luiz Chorro Miler

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 2.187.308/TO, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, promoveu relevante inflexão hermenêutica no tratamento jurídico das obrigações condominiais, reafirmando a centralidade do princípio da legalidade e do rigor sistemático na interpretação das normas de direito privado.

Assentou-se, com clareza inequívoca, a inadmissibilidade da inclusão de honorários advocatícios contratuais no quantum exequendo das execuções de cotas condominiais, ainda que haja previsão específica na convenção do condomínio. Tal orientação, agora consolidada na jurisprudência superior, assinala a prevalência da lei sobre estipulações privadas que pretendam expandir o campo de incidência das obrigações coercitivas.

Antes desse precedente, difundia-se no âmbito de diversos tribunais estaduais — como se verificou no acórdão reformado pelo STJ no caso originário — uma leitura maximalista do princípio da autonomia privada, que conferia força normativa plena às cláusulas convencionais constantes do estatuto condominial.

Em particular, admitia-se que o condômino inadimplente suportasse, de forma compulsória, honorários advocatícios convencionais estipulados em favor do patrono do condomínio, sob a justificativa de que a convenção possuiria natureza obrigacional entre condôminos e, portanto, legitimaria a transferência desses custos. Essa orientação, porém, olvidava que a obrigação condominial possui natureza jurídica propter rem, sujeita a um regime normativo estrito, e que a convenção não possui eficácia constitutiva ilimitada, devendo atuar dentro das fronteiras traçadas pela lei.

Decisão do STJ

Ao enfrentar a controvérsia, o STJ procedeu a uma reconstrução lógico-normativa exemplar. Partiu do artigo 1.336, § 1º, do Código Civil, que dispõe, em numerus clausus, as consequências jurídicas do inadimplemento da obrigação condominial:

“o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês, e multa de até dois por cento sobre o débito, além de correção monetária.”

A literalidade do dispositivo é taxativa e, portanto, inibe pretensões de ampliação infralegal do elenco de encargos incidentes sobre o devedor. A criação de nova obrigação ressarcitória — tal como os honorários contratuais — extrapola a moldura normativa e resulta em inovação jurídica incompatível com o princípio da legalidade.

Em arremate, a 3ª Turma reforçou que os honorários advocatícios contratuais têm natureza estritamente extraprocessual, pois decorrem de ajuste bilateral entre o condomínio e o advogado por ele contratado. Logo, não se confundem com honorários de sucumbência, estes sim disciplinados pelo Código de Processo Civil e atribuíveis ao vencido. Conforme destacou o acórdão, os artigos 84 e 85 do CPC regulam exclusivamente despesas processuais e honorários sucumbenciais, jamais prestações emergentes de contratos particulares, os quais não se comunicam à esfera jurídica do executado. Nesse sentido, destacou-se que:

“Cabe ao perdedor arcar com os honorários de sucumbência fixados pelo Juízo, mas não com as despesas contratuais oriundas de pacto firmado entre a parte contrária e seu patrono.“

Admitir o contrário significaria legitimar um indevido alargamento do título executivo, permitindo que a execução sirva de mecanismo de cobrança de obrigação estranha ao título e à lei.

Importa ressaltar que o precedente do STJ não alcançou a problemática sob a perspectiva da ação de cobrança, isto é, não decidiu sobre a possibilidade de pleitear honorários contratuais em sede cognitiva, com fundamento em responsabilidade contratual ou extracontratual.

A ratio decidendi restringiu-se à execução de título extrajudicial fundada em cotas condominiais. Assim, qualquer tentativa de atribuir à decisão alcance universalizante incorreria em indevida extrapolação de sua moldura decisória.

Execução deve respeitar legalidade do Código Civil

Conclui-se que o julgado não apenas decide um caso concreto, mas opera restabelecimento de ordem sistemática: a execução civil é instrumento de satisfação de obrigações legalmente tipificadas, e não campo de experimentações normativas privadas. Ao rechaçar a transferência coercitiva dos honorários contratuais ao condômino inadimplente, o STJ reafirma que a autonomia privada encontra limites na lei e no sistema, e que não há espaço para hipertrofia contratual quando esta vulnera a coerência e a completude do ordenamento.

O precedente, em última análise, consolida uma diretriz de integridade: a execução condominial deve respeitar a tipicidade legal dos encargos previstos no Código Civil e observar a distinção categorial entre despesas processuais e ônus contratuais. Trata-se de decisão que prestigia a dogmática, reforça a segurança jurídica e impede que o processo de execução seja transformado em arena para imposição de deveres que o ordenamento não reconhece.

Pedro Luiz Chorro Miler
é assessor de gabinete no TJ-MT e especialista em Direito Civil Contemporâneo pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-nov-18/honorarios-contratuais-e-execucao-condominial-legalidade-estrita-e-limites-normativos/

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