Moradores tiveram bens penhorados; Prefeitura de Camaçari confirmou que local é um loteamento
O CORREIO mostrou nesta semana que moradores que se recusam a pagar taxas condominiais estão sendo processados pela administração do suposto condomínio Planeta Água, situado em Barra do Jacuípe, distrito turístico de Camaçari, na Grande Salvador. Ao menos duas pessoas tiveram bens penhorados e avaliados neste ano. A prefeitura, no entanto, já confirmou que o local é um loteamento.
Localizado às margens da BA-099, na Estrada do Coco, o loteamento Vale da Landirana foi criado por decreto municipal, em julho de 1980, por meio do Decreto 690/80, regido pela Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/79), onde todas as vias e áreas verdes são patrimônio público.
Apesar disso, a 2ª Vara do Sistema dos Juizados de Camaçari determinou a penhora do carro de Raffaella Maria Menni. “Em 2016/2017, começaram com essa história de ser um condomínio, mas nunca foi. A mesma juíza deu liberdade para outro morador, que mora na quadra ao lado da minha, falando que não tinha obrigação de pagar condomínio, mas eu tenho que ser penhorada”, conta. A decisão foi assinada pela juíza Elbia Rosiane Sousa de Araujo Lyra.
Antes da penhora do carro, Raffaella teve uma moto penhorada e uma conta corrente bloqueada por se recusar a pagar as taxas condominiais. “Quando Raffaella comprou (o terreno), era tudo aberto. Acabaram colocando uns portões aqui, que até impedem que outras pessoas que venham nos visitar tenham acesso ao nosso imóvel”, relata o marido, Marcos, que preferiu não divulgar o sobrenome.
Rafaella e Marcos nunca pagaram taxas condominiais no local. A dívida, segundo eles, já é de mais de R$ 69 mil, com juros e honorários de advogados. “A gente não tem serviço nenhum neste local para pagar o valor de um condomínio de lugar de luxo, para morar num local que é loteamento. Não existe isso”, diz Marcos. Os valores da taxa mensal variam entre R$ 185 e R$ 480. “Pagam mais barato os moradores que são privilegiados”, diz um morador, que não quis se identificar por medo de represálias.
Outras polêmicas
Essa não é a primeira vez que o Planeta Água aparece envolvido em uma polêmica. Em dezembro de 2020, um policial rodoviário federal aposentado teria ameaçado com uma arma de fogo, na tarde do dia 31, dois moradores na Rua Rio Pitanga. Carlos Alberto Ribeiro foi flagrado pelas câmeras de segurança instaladas em frente à casa de Ricardo Roberto Leite devido às ameaças anteriores que o morador alega já ter sofrido. Na época, ela era o atual ‘síndico’ do local.
Já em agosto do mesmo ano, Raffaella Menni registrou no dia 21, na 26ª DT/Abrantes, uma ocorrência contra dois funcionários do local e um segurança de uma empresa privada que presta serviço no loteamento. O motivo: sua filha, Dulcineia Michelle Carzaniga foi impedida de entrar no local por causa da cor da pele. Segundo a corretora, Dulcineia estava lá para visitá-la e chegou a fazer uma ligação de vídeo com ela, que autorizou a entrada e confirmou o parentesco, mas o porteiro não acreditou porque ela era branca e a filha, negra.
Avaliação de bens
A aposentada Valda Dantas, de 74 anos, mora no loteamento há 40 anos. Em fevereiro deste ano, a Justiça pediu avaliação dos bens dela. “Eu vi isso aqui nascer, criei meus três filhos aqui. Eu não posso acessar o rio que tem aqui por que quem não paga (a taxa), não acessa o rio. E ainda existe um privilégio: um morador paga um valor, outro morador paga outro”, diz.
De acordo com Valda, um grupo de moradores criou a associação e começou a impor taxas condominiais. “Tiveram a ideia de transformar em condomínio assim que chegou a luz, a água. A data exata eu não tenho, mas foi há cerca de 20 anos”, conta. Ela ainda reitera que as condições ofertadas pela administração não são de um condomínio. “Não tem área de lazer, não tem nada. Eles pegaram a área do rio e cercaram, como se fosse área pertencente a um condomínio, mas é área verde”, diz. O processo de dona Valda tem sete anos, um dos primeiros, segundo a moradora.
Os moradores informaram que já acionaram o Ministério Público da Bahia (MP-BA), mas não obtiveram sucesso.
Em dezembro de 2022, o CORREIO já havia denunciado casos de moradores que estavam tendo bens bloqueados e penhorados para pagar dívidas com um condomínio que não existe. À época, a Prefeitura de Camaçari emitiu uma nota confirmando que o Planeta Água não consta nos registros do município.
“A Prefeitura de Camaçari, por meio da Secretaria do Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente (Sedur), em resposta ao Jornal Correio, informa que permanece válido o Ofício 00923 de 2021, o qual estabelece que: ‘não consta nos registros da Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Município (SEDUR) o Condomínio Planeta Água, sendo que trata-se do Loteamento Vale da Landirana, aprovado no Município em 16/07/1980, por meio do Decreto 690/80, regido pela Lei Federal de Parcelamento do Solo (Lei n. 6.766/79), onde todas as vias e áreas verdes são patrimônio público. É o que se extrai, inclusive, da certidão colacionada aos autos na fl. 7.”, diz a nota. Até a publicação desta matéria nada mudou. O local ainda é considerado um loteamento.