Especialista em direito condominial afirma que a omissão pode gerar responsabilização do gestor e do condomínio
Embora frequentemente aconteça longe do olhar público, a violência doméstica tornou-se mais perceptível no ambiente dos condomínios, sobretudo, em razão da convivência próxima entre moradores, do compartilhamento de áreas comuns e da presença de câmeras de segurança em posições estratégicas. Esse contexto tem levado síndicos e administradoras a se depararem com situações de abuso e a questionarem qual deve ser a conduta correta diante de sinais de agressão dentro das unidades residenciais.
Segundo a advogada Juliana Teles, especialista em direito condominial e sócia do escritório Faustino e Teles, é fundamental compreender que a atuação do síndico não representa interferência na vida privada dos moradores, mas o cumprimento de uma obrigação legal e humanitária.
“A Lei 14.118/2021 determinou que condomínios residenciais e comerciais devem comunicar casos de violência doméstica quando houver suspeita, indício ou confirmação. O síndico não precisa ter certeza do crime: basta perceber sinais claros de agressão, como gritos, pedidos de socorro ou marcas visíveis. A omissão pode gerar responsabilização do condomínio e do gestor”, explica Juliana.
Comunicação obrigatória
A Lei nº 14.118/2021 estabelece que condomínios devem comunicar às autoridades competentes casos ou indícios de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes e idosos.
A comunicação deve ocorrer de duas formas:
Imediatamente, quando a violência estiver em andamento, por meio do telefone 190, da Polícia Militar.
Em até 24 horas, nos casos suspeitos ou já ocorridos, com registro de boletim de ocorrência, contato com a Delegacia da Mulher ou uso de canais oficiais de denúncia, como o Disque 180.
Além disso, o síndico deve manter um registro interno da ocorrência, assegurando a confidencialidade das informações e a preservação da identidade da vítima.
“O síndico não pode simplesmente ignorar gritos de socorro ou relatos de agressão. A lei exige ação rápida. O risco de omissão é grave não apenas juridicamente, mas moralmente, porque pode custar a vida de alguém”, reforça a especialista.
Sem violar a privacidade
Um dos principais receios dos gestores é ultrapassar os limites da privacidade ou sofrer acusações de invasão da vida privada. Para Juliana, esse temor não pode servir de justificativa para a inércia.
“O síndico não deve investigar, filmar ou tentar interrogar ninguém. A sua função não é produzir provas, e sim comunicar. Privacidade não pode ser usada como escudo para acobertar crime dentro de um condomínio.”
Há limites claros para a atuação do gestor. O síndico não deve entrar na unidade sem autorização, expor vítimas ou suspeitos, compartilhar informações com vizinhos ou grupos de WhatsApp, nem questionar detalhes da agressão.
Por outro lado, o síndico deve registrar fatos objetivos, como gritos, barulhos e pedidos de socorro; acionar imediatamente a polícia quando necessário; preencher um registro interno simples sobre o ocorrido; e proteger a identidade da vítima em qualquer comunicação oficial.
Protocolos de segurança
Para evitar improvisações, a advogada recomenda que condomínios adotem um Protocolo Interno de Enfrentamento à Violência Doméstica. Entre as medidas sugeridas estão o treinamento de porteiros e funcionários, que devem saber como agir diante de gritos, agressões, ameaças ou pedidos de ajuda.
“A equipe deve saber que, nessas situações, não se discute com o agressor e não se tenta resolver sozinho. O protocolo exige chamar imediatamente a polícia.”
Outras ações incluem a criação de canais sigilosos de comunicação, como e-mails ou ramais internos; a divulgação periódica de orientações aos moradores sobre a legislação e os canais de denúncia; o uso de formulários padronizados para registro de ocorrências; e campanhas de conscientização, especialmente durante o Agosto Lilás.
Direitos da vítima
Mesmo quando a agressão ocorre dentro da unidade, o condomínio tem o dever de contribuir para um ambiente seguro. Isso inclui facilitar o acesso seguro da vítima à portaria, acionar a polícia sempre que houver risco, evitar qualquer tipo de exposição constrangedora e manter registros formais que possam auxiliar em futuras medidas protetivas.
O papel do síndico
“O síndico não é psicólogo, juiz nem investigador. Ele é um agente de proteção. Seu dever é agir com responsabilidade, cumprir a lei e conduzir o condomínio de forma humana e segura.”
E conclui: “Quando um condomínio entende que violência doméstica é um problema coletivo, não privado, ele salva vidas. É por isso que orientamos nossos clientes a adotarem protocolos claros e treinamento contínuo”.


