Levantamento exclusivo do Terra mostra que injúria e lesão corporal são os delitos que mais cresceram nas brigas entre vizinhos e sindícos
Conviver em sociedade tem se tornado um desafio cada vez maior. Quem participa de grupos de WhatsApp de condomínio sabe bem: brigas entre vizinhos e conflitos com síndicos são frequentes. Corroborando esse senso comum, um levantamento exclusivo realizado pela reportagem do Terra, juntamente com a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, apontou que os casos de violência em condomínios cresceram 32% no primeiro semestre de 2025 em comparação com a média dos últimos cinco anos.
Para se ter uma ideia, entre janeiro e julho de 2020 foram registrados 985 casos de violência em conjuntos residenciais e moradias compartilhadas. Já no mesmo período de 2025, o número saltou para 1.952 ocorrências na capital paulista — quase o dobro. Ao todo, de acordo com o levantamento, nos últimos cinco anos, foram contabilizados 9.338 casos de violência em condomínios, o que equivale a cerca de cinco registros por dia em delegacias de São Paulo. Entre os crimes mais listados pelas autoridades estão:
Vale destacar que, embora a lesão corporal tenha contabilizado 941 ocorrências e tenha assumido a liderança dos casos de violência em condomínios em 2025 — um aumento de 31% em relação ao mesmo período de 2024 —, em números absolutos, ou seja, considerando os cinco anos analisados pela reportagem, a injúria segue como o delito mais recorrente, tendo no total de 3.963 ocorrências, contra 3.702 de lesão corporal.
O levantamento do Terra também identificou registros de lesão corporal culposa, lesão corporal gravíssima, homicídio doloso e homicídio culposo. Porém, devido à expressiva subnotificação dos crimes, a reportagem optou por não detalhá-los nos consolidados.
Independente da liderança de um de outro, fato é que condomínios estão ficando cada vez menos seguros. Se a ideia por trás de comprar um apartamento muitas vezes é associada ao fato de ter um lugar de conforto para descansar sob a sensação de proteção, o que os números do levantamento realizado mostram é justamente o oposto.
Injúria
A troca de ofensas, por exemplo, é algo que tem se tornado cada vez mais comum entre moradores de condomínios. Só no primeiro semestre de 2020, foram 496 casos; em 2021, 549, ou seja, houve um aumento de 11% entre um ano e outro. A situação se agrava a partir de 2022, na pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). No primeiro semestre de crise sanitária, foram lavradas 916 ocorrências, o que significa que foi registrado um salto de 67% com relação aos anos anteriores.
Em 2023, quando parcela da população estava vacinada e a pandemia controlada, com isso, 686 casos de injúria foram registrados no primeiro semestre, o que representou uma queda na troca de xingamentos entre vizinhos. O declive continuou em 2024, que teve 605 registros. Os números representam uma clara queda de 25% e 12% com relação aos respectivos anos anteriores.
Em uma nova crescente, o primeiro semestre de 2025 já atingiu o número de 711 casos, o que representa aumento de 43,3% na violência verbal em relação aos anos anteriores. Seguindo essa projeção, a expectativa é que o ano termine batendo recorde.
Lesão corporal
Lesão corporal é quando se configura agressão física ou dano à saúde de outrém. Pode parecer exagero, mas a animosidade dentro dos prédios e condomínios tem registrado relativo aumento nos últimos cinco anos. Casos de pessoas agredidas pelos vizinhos ou de funcionários agredidos por moradores são comuns dentro deste tipo de moradia.
Em 2020, foram registrados 272 casos na capital paulista; número este que cresceu para 331 em 2021, representando aumento de 22%. Em 2022, ano da pandemia, o aumento na agressão física dentro de condomínios foi de 124%, com número absoluto de 740 casos.
Em 2023, mesmo após a pandemia e a liberação para frequentar lugares públicos, a violência física continuou em alta com 701 casos, uma queda mínima de 5%. Em 2024 e 2025, que tiveram 717 e 941 mostra que o número voltou a crescer rapidamente, representando respectivamente 2% e logo depois um súbito aumento de 31% nos casos.
Calúnia
Para além das agressões físicas e verbais, a calúnia dentro de condomínios também cresceu nos últimos cinco anos. Conforme o Código Penal, é possível associar o delito a fofocas ou falsas acusações, que podem vir à gerar dano à imagem ou honra de alguém.
Em 2020 e 2021, foram registrados 57 e 68 casos em delegacias, o que demonstrou aumento de 11%. Apesar do crescimento, o número ainda era relativamente baixo para representar a cidade inteira de São Paulo. Em 2022, o índice passou a marca de 100 casos e, mesmo quando houve queda em 2024, não registrou menos do que a centena alcançada.
Foram 115 em 2022, 133 em 2023 e 123 em 2024, o que foi um leve declive, para novamente subir em 2025, que já teve 136. Na soma, são 632 casos registrados na cidade nos últimos cinco anos, um número expressivo de reclamações lavradas em delegacias.
Difamação
De acordo com o Código Penal, difamação ocorre quando alguém imputa ao outro um fato ofensivo que prejudica a reputação da pessoa, causando desprezo público. O tipo de ocorrência, apesar de apresentar menores índices de crescimento em São Paulo, computou um número que pode ser considerado relevante para o período de cinco anos.
Em janeiro de 2020, foram registrados 85 casos, em 2021, 105, o que representou um aumento de 24% na incidência de difamação dentro de residências condominiais. Em 2022, foram 150 e, seguindo o padrão, uma pequena queda em 2023, que teve 148. Em 2024, assim como os demais delitos, a difamação voltou a crescer no primeiro semestre, com 156 casos. Em 2025, mantendo a onda, o número já foi superado, até agora, foram 159 casos, o que representa um aumento de 2%, apesar de pouco, é o maior número dos últimos anos.
Entenda as razões por trás da ‘pandemia de conflitos’
Para a psicanalista Cintia Castro, a pandemia de coronavírus (Sars-coV-2) é um dos fatores que endossam o aumento de casos de violência em condomínios. Segundo ela, o fato de as pessoas ficarem mais em casa, fez com que tivessem mais ‘tempo para se incomodar com o próximo’. Ela crê também que a crescente que vivemos após a crise sanitária é uma sequela, visto que ‘as pessoas perderam um pouco o traquejo social’.
“Quando veio a pandemia, a gente tem a percepção que as pessoas se uniram, pois tinha-se o medo da morte. Mas após isso, a sensação que temos é que as pessoas estão mais desgastadas, estão ficando fora do seu equilíbrio com mais facilidade. Não dá para colocar a culpa só nela, mas dá para dizer que foi um fator agravante para este aumento”.
Para além do fator correlato da pandemia de coronavírus, que obrigou as pessoas a conviverem por mais tempo, outro fator que pode explicar o aumento da violência em condomínios é o constantemente aumento de moradias compartilhadas em São Paulo.
Conforme um laudo divulgado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM), com dados coletados entre 2000 e 2020, a cidade possui mais apartamentos do que casas em seu perímetro há anos. Em 2020, por exemplo, as unidades de apartamentos já representavam 1,38 milhão dos imóveis da cidade, enquanto casas horizontais eram cerca de 1,37 milhões.
Corroborando a informação, em 2024, o censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o estado de São Paulo possui 4,8 milhões de condomínios em seu território, sendo 1.958.072 deles com mais de 100 unidades habitacionais cada um.
Com isso, é fato que estamos tendo que conviver cada vez mais ‘colados’ a nossos vizinhos e, digamos, em comunidades mais populosas, o que pode explicar a ‘pandemia de conflitos’ em condomínios que está estampando não apenas o noticiário paulistano.
Para Renato Daniel Tichauer, presidente da Associação de Síndicos de Condomínios Comerciais e Residenciais do Estado de São Paulo (Assosíndicos), os conflitos em condomínios realmente estão crescendo, mas não apenas por causa da verticalização.
“Infelizmente, tudo indica que com o surgimento da covid-19, as pessoas esqueceram-se de como se deve conviver em harmonia com os seus vizinhos. Direitos e deveres devem ser cumpridos por todos! Obviamente dependendo do vizinho e de você, pode haver uma boa convivência, mas sempre respeitando os limites”.
Como pode-se resolver?
Renato reconhece que muitas vezes não há solução rápida ou totalmente eficaz para a violência nos condomínios. Porém, ele aconselha que síndicos procurem orientar seus condôminos, ele até sugere a realização de palestras sobre convivência. “Na minha visão, é preciso conscientizar os novos condôminos, que nem sempre tem a cultura do que é viver e conviver em condomínio. [Explicar] que deve-se preservar o bom senso e o direito de vizinhança. Afinal, direitos e deveres devem ser cumpridos por todos”.
Renato ainda enfatiza que ao sinal de qualquer tipo de violência dentro do condomínio, em área comum ou unidade autônoma, uma autoridade maior deve ser acionada. Em casos que multas e advertências não tenham efeito, existem recursos para garantir a ordem. “Em situações extremas, pode-se analisar a possibilidade do artigo do condômino antissocial, avaliando a possibilidade de expulsar a pessoa do condomínio”. Se diálogo, reconciliação ou multa falharem, Renato ele aconselha recorrer à Justiça.