Por André Luiz Junqueira
- Resumo
- Introdução
- O Caráter Real da Obrigação Condominial e a Nulidade das Cláusulas Abusivas
- O Impacto das Cláusulas Abusivas no Condomínio
- Hipóteses de Validade da Cláusula em Caráter de Exceção
- A Competência da Assembleia Condominial para Declarar a Nulidade
- Conclusão
- Resumo
Este artigo aborda a nulidade das cláusulas inseridas em minutas de convenção elaboradas por incorporadoras imobiliárias que concedem isenção parcial ou total do pagamento das quotas condominiais para unidades ainda não alienadas. Argumenta-se que tais cláusulas configuram prática abusiva, impondo ônus desproporcional aos demais condôminos, em desacordo com a legislação civil, consumerista e condominial. A análise propõe que essas cláusulas sejam consideradas nulas de pleno direito, podendo ser invalidadas diretamente pela assembleia condominial, sem a necessidade de ação judicial específica.
- Introdução
No contexto da relação jurídica condominial, as obrigações decorrentes do pagamento das quotas condominiais possuem caráter real, vinculando-se à propriedade da unidade autônoma. Contudo, é recorrente a inserção, por parte de incorporadoras imobiliárias, de cláusulas em minutas de convenção que isentam total ou parcialmente o pagamento das quotas condominiais das unidades que permanecem sob sua titularidade, até que sejam comercializadas.
Este artigo examina a legalidade dessas cláusulas, sustentando que violam princípios fundamentais do Direito Civil, do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e da Lei de Condomínios (Lei nº 4.591/1964), ao atribuírem ônus desproporcional aos demais condôminos.
- O Caráter Real da Obrigação Condominial e a Nulidade das Cláusulas Abusivas
A obrigação condominial decorre diretamente da propriedade da unidade autônoma, sendo considerada uma obrigação “propter rem”. Conforme o artigo 1.336, inciso I, do Código Civil, todos os condôminos têm o dever de contribuir para as despesas do condomínio, independentemente de ocupação ou utilização efetiva da unidade.
A tese de que unidades não ocupadas devem ser isentas, total ou parcialmente, das quotas condominiais contraria esse princípio e fere a isonomia entre os condôminos. Se admitida, abriria precedentes para que qualquer proprietário alegasse desuso ou ausência para justificar a inadimplência, hipótese absolutamente incompatível com o regime condominial.
Além disso, o artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor declara nulas de pleno direito cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações excessivamente onerosas ao consumidor. No caso em análise, os demais condôminos, que já arcam com suas respectivas quotas, são compelidos a suportar um aumento proporcional em razão da isenção conferida às unidades da incorporadora.
- O Impacto das Cláusulas Abusivas no Condomínio
As cláusulas que isentam as incorporadoras do pagamento de quotas condominiais transferem, de forma arbitrária, a responsabilidade pelas despesas dessas unidades para os demais condôminos. Isso resulta em desequilíbrio financeiro no condomínio, prejudicando os proprietários e, por conseguinte, a manutenção das áreas comuns.
É importante observar que o artigo 12 da Lei nº 4.591/1964 estabelece que as despesas condominiais devem ser rateadas proporcionalmente à fração ideal de cada unidade, sem previsão para isenções unilaterais. A interpretação de que a incorporadora pode isentar-se das obrigações condominiais enquanto não comercializa suas unidades carece de fundamento legal.
Se buscarmos analisar as justificativas para uma incorporadora incluir tais cláusulas na minuta da convenção do condomínio, é possível considerar que essa seria uma forma de mitigar os riscos inerentes à incorporação imobiliária, que é um empreendimento de alto risco e grande complexidade. No entanto, sob a ótica dos princípios que regem as relações de consumo, não se pode admitir que parte desse risco seja transferida ao consumidor ou ao adquirente. Tal transferência geraria uma obrigação desproporcional, atribuindo ao consumidor uma responsabilidade que não lhe cabe, uma vez que a incorporadora, ao auferir lucros, não os divide com os consumidores. Assim, tratar o consumidor como um “sócio de fato”, repartindo prejuízos, mas nunca os ganhos, é uma prática que viola o equilíbrio contratual e os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor.
- Hipóteses de Validade da Cláusula em Caráter de Exceção
Embora a regra geral seja a nulidade dessas cláusulas, há duas hipóteses em que é possível conferir-lhes validade, sempre em caráter excepcional. A primeira ocorre quando, no contexto da incorporação imobiliária, os adquirentes não se revestem da condição de consumidores. Em situações específicas, como no caso de investidores que adquirem imóveis com plena ciência e entendimento do negócio, pode-se afastar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nessa relação, incorporadora e adquirente estão em condições de igualdade no que tange ao conhecimento técnico e à suficiência informacional, descaracterizando a vulnerabilidade do consumidor. Contudo, essa possibilidade é limitada e deve ser analisada à luz das particularidades do caso.
A segunda hipótese ocorre quando a própria assembleia condominial, devidamente constituída, aprova a isenção parcial ou total de quotas condominiais, desde que por prazo determinado e com o quórum qualificado de dois terços. É essencial, no entanto, que os votantes sejam exclusivamente aqueles sem qualquer conflito de interesses, ou seja, a incorporadora e eventuais condôminos direta ou indiretamente relacionados a ela devem ser excluídos da votação.
Quando há a hipótese de a assembleia aprovar a isenção, essa decisão deve ser tomada com extrema cautela. É essencial justificar muito bem o merecimento dessa isenção, pois se ela for baseada simplesmente no fato de a unidade não ser utilizada, cria-se um precedente perigosíssimo. Qualquer outro condômino poderá, futuramente, pleitear o mesmo direito. Um caso corriqueiro em que a isenção parcial ou total é aprovada ocorre com o síndico orgânico, aquele que é proprietário ou ocupante da unidade e presta seus serviços diretamente ao condomínio. Nesse caso, a isenção pode ser vista como uma contrapartida pelos serviços prestados, justificando o benefício. Já no caso da incorporadora, que já foi remunerada pela venda das unidades, não há razão para uma nova regalia. A assembleia deve distinguir essas situações com muito rigor, sob pena de gerar um precedente grave, que pode resultar na anulação da deliberação e em alegações futuras de outros condôminos pleiteando o mesmo direito.
- A Competência da Assembleia Condominial para Declarar a Nulidade
As cláusulas abusivas inseridas em convenções de condomínio elaboradas pela incorporadora são nulas de pleno direito, conforme o artigo 166 do Código Civil. Por essa razão, não é necessário que os condôminos busquem a invalidação judicial dessas cláusulas.
A assembleia condominial, na qualidade de órgão deliberativo do condomínio, possui competência para reconhecer a nulidade dessas disposições, especialmente durante a primeira assembleia, em que são aprovadas as despesas ordinárias e a previsão orçamentária. Essa medida encontra respaldo nos princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual, conforme artigos 421 e 422 do Código Civil.
- Conclusão
Cláusulas de isenção de pagamento de cotas condominiais em favor da incorporadora são nulas de pleno direito na maioria das circunstâncias. As exceções exigem análise cautelosa, com observância do quórum adequado e justificativa rigorosa.
André Luiz Junqueira é Advogado com quase 20 anos de experiência, pós-graduado em Direito Civil e Empresarial, MBA pela FGV e certificado pela Universidade de Harvard. Sócio da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, professor e consultor jurídico em diversas instituições do setor condominial. Autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres”.