O sonho de morar em um condomínio, símbolo de segurança e convivência, vem se transformando em um pesadelo para muitas famílias brasileiras. Em diferentes regiões do país, criminosos estão se infiltrando nas comunidades e assumindo o controle de residenciais inteiros. O que antes era administrado por um síndico eleito democraticamente, hoje é controlado por quem impõe o medo e o silêncio como regra.
Famílias de bem têm sido obrigadas a conviver com o poder paralelo. Não há síndico que se sustente, nem autoridade que se imponha, quando o Estado se ausenta. E o resultado é devastador: moradores expulsos, assembleias manipuladas e o medo substituindo a lei.
Ministro das Cidades: “Uma epidemia nacional”
O próprio governo federal reconhece a gravidade da situação. O ministro das Cidades, Jader Barbalho Filho, classificou recentemente como “uma epidemia” a presença de facções criminosas — como o PCC, o Comando Vermelho e grupos milicianos — em condomínios construídos pelo programa Minha Casa, Minha Vida.
Segundo o ministro, essas organizações expulsam moradores e dominam condomínios inteiros entregues pelo Poder Executivo, espalhando-se por todas as regiões do país. O alerta reforça o que já é visível nas grandes cidades: o crime encontrou, dentro dos muros, um novo território para ocupar.
Mas a ameaça não vem apenas das grandes facções. Em centenas de condomínios, o poder paralelo é exercido por pequenos grupos criminosos, muitas vezes formados por usuários de drogas que invadem imóveis desocupados. Quando o morador retorna, é impedido de entrar. “Perdeu o apartamento”, dizem. Há olheiros que monitoram a movimentação dos moradores e informam o momento ideal para agir. É o retrato cruel da ausência do Estado e da impunidade.
A eleição que simboliza uma nova esperança
Foi em São Leopoldo (RS) que um episódio recente acendeu uma nova chama de esperança. No Condomínio Villa Germânia, até pouco tempo dominado por integrantes ligados ao tráfico, a oposição venceu a eleição para síndico. Por medida de segurança, o pleito foi realizado no Foro da cidade, com o local cercado pela Brigada Militar e pela Guarda Municipal, diante do clima de tensão e medo relatado pelos moradores.
Durante a assembleia, o candidato apoiado pela facção foi impedido de concorrer porque estava inadimplente com duas mensalidades condominiais. Essa irregularidade — prevista no regimento interno e no Código Civil — impediu que o representante do crime continuasse no poder.
Essa simples aplicação da lei abriu caminho para a mudança. O novo síndico, eleito sob forte esquema de proteção, assumiu o cargo comprometido em restabelecer a ordem administrativa, promover transparência e resgatar a confiança dos moradores. Em entrevista, ele resumiu o sentimento coletivo: “Tenho medo, mas confio na polícia. A presença constante das forças de segurança é o que nos permite acreditar em dias melhores.”
Essa vitória simboliza mais do que uma mudança de gestão — é a retomada da esperança. Mostra que, quando a lei é cumprida e o Estado se faz presente, o medo perde força.
A ausência que custa vidas
Dois anos antes, em outro condomínio em outro estado, um síndico recém-eleito foi assassinado com oito tiros apenas dois dias após assumir o cargo. Ele havia denunciado irregularidades e tentava reorganizar a administração. Na época, a Polícia Militar havia prometido reforço, mas o patrulhamento não se manteve. A falta de continuidade da segurança transformou a promessa em tragédia.
O caso escancarou o que muitos síndicos sabem na prática: o crime não se cansa — ele apenas espera a ausência para agir. Por isso, a presença policial precisa ser constante, não simbólica.
O síndico não é o Estado
É importante reforçar: o síndico é representante legal do condomínio, mas não possui poder de polícia. Ele administra, media conflitos e garante a convivência, mas não tem a estrutura nem a autoridade para enfrentar o crime organizado. Quando o Estado se omite, o síndico e os moradores ficam desprotegidos — e os muros não bastam.
Há condomínios que abrigam mais pessoas do que bairros inteiros, com circulação intensa e problemas complexos de convivência e segurança. Tratar esses locais como propriedades privadas fora do alcance das políticas públicas é um erro grave. A segurança dos condomínios é, sim, uma questão de segurança pública.
A presença do Estado é a única saída
A luta contra o poder paralelo que invade os condomínios exige união dos moradores do bem e ação firme das forças de segurança — Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público e Judiciário. Não basta presença inicial em momentos de crise; é preciso acompanhamento contínuo e estratégias integradas.
A presença do Estado é a única forma de impedir que o crime continue elegendo seus próprios “síndicos” e decidindo quem pode viver em paz.
O exemplo de São Leopoldo mostra que a lei, quando aplicada, é capaz de devolver dignidade e esperança. Mas é preciso mais: garantir que a segurança pública esteja onde o medo tenta se instalar.
Enquanto houver presença policial, investigação efetiva e moradores unidos, o crime pode ser contido e a vida pode recomeçar.
(*) Cleuzany Lott é advogada com especialização em Direito Condominial, MBA em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, Presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção da OAB-MG, Governador Valadares e 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial de Minas Gerais, síndica, jornalista e palestrante.
Fonte: https://drd.com.br/seguranca-publica-a-esperanca-para-libertar-os-condominios-do-crime-organizado/


