Decisão do STJ não isenta inadimplentes: honorários continuam válidos, apenas fora da execução

registro da unidade e pagamento de cota condominial


A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre a cobrança de honorários advocatícios em dívidas de condomínio gerou uma onda de interpretações equivocadas. Para muitos, a impressão inicial foi de que o condomínio estaria proibido de repassar ao morador inadimplente os valores gastos com advogado. Mas isso não é verdade. O tribunal não tirou o direito do condomínio de ser ressarcido. O que ele fez foi reforçar como essa cobrança deve acontecer — e não se ela pode acontecer. E mais: essa decisão vale apenas para o caso concreto julgado e não tem efeito vinculante, ou seja, não afeta os demais condomínios do país. Portanto, até que haja uma decisão com validade nacional, os honorários podem continuar sendo incluídos nas execuções normalmente, como sempre foi feito na prática jurídica.

Uma decisão que não vale para todo o Brasil

Apesar da grande repercussão, a decisão do STJ é restrita ao processo analisado. O tribunal não fixou tese, não estabeleceu entendimento obrigatório e não alterou a forma como advogados e condomínios atuam nos demais casos. A discussão ocorreu dentro de um recurso específico, envolvendo apenas as partes daquele processo. Por isso, nada muda na rotina jurídica dos condomínios: os honorários contratuais continuam podendo ser incluídos na execução até que o tema seja decidido em caráter geral — o que ainda não aconteceu.

O caso do Tocantins que gerou a confusão

O processo teve origem quando o condomínio Residencial Diamante do Lago ajuizou uma ação de execução contra a empresa JP Arquitetura e Construções Ltda. para cobrar cotas condominiais em atraso, incluindo na planilha de débitos 20% referentes aos honorários advocatícios convencionais. Ao analisar a ação, o juiz de primeira instância determinou que esses honorários fossem retirados do cálculo, por entender que eles não deveriam compor o valor executado. O Tribunal de Justiça do Tocantins (TJ/TO), porém, reformou essa decisão e determinou que os honorários fossem reincluídos, sob o argumento de que o juiz não poderia, naquele momento inicial da execução, revisar o valor da causa nem interpretar cláusulas da convenção condominial para excluir despesas previstas. A construtora recorreu ao STJ alegando que os honorários contratuais não poderiam ser somados à dívida executada, pois isso configuraria bis in idem — já que no final do processo também são fixados honorários de sucumbência. O julgamento ocorreu em 16 de setembro de 2025, no REsp 2.187.308/TO, e a relatora foi a ministra Nancy Andrighi, com votação unânime.

Por que os honorários foram excluídos naquele processo

Ao analisar o recurso, a ministra destacou que a execução de cotas condominiais tem regras rígidas. A legislação prevê que apenas a cota, a multa, os juros e a correção monetária podem integrar a execução. Nada além disso pode ser somado a esse tipo de cobrança. A razão é que a dívida condominial é classificada como obrigação de “direito real”, ligada ao imóvel, enquanto o contrato de honorários é uma despesa pessoal entre condomínio e advogado. São naturezas distintas e, portanto, não podem ser tratadas como a mesma dívida dentro do mesmo processo. Assim, no caso concreto, a ministra entendeu que os honorários contratados pelo condomínio deveriam ser cobrados separadamente, e não dentro da execução.

Honorários continuam plenamente devidos

É fundamental reforçar que a decisão não isenta o inadimplente e não significa que o morador deixa de pagar pelos honorários. O condomínio mantém o direito ao ressarcimento integral dos valores destinados à cobrança judicial. A única diferença está no procedimento aplicado naquele caso específico. Além disso, como não há efeito vinculante nem tese repetitiva, a decisão não impede que, nos demais processos do país, os advogados continuem incluindo os honorários contratuais dentro da execução, como ocorre há anos. Somente uma decisão com validade nacional poderia alterar essa prática, e isso ainda não existe.

O honorário não desaparece — apenas segue outro caminho

Os honorários continuam sendo devidos e podem ser cobrados por notificação extrajudicial ou por ação específica, caso o morador se recuse a pagar. Esse caminho separado proporciona maior segurança jurídica e impede que a execução das cotas seja contestada por suposta cobrança indevida ou duplicada. A lógica é simples: a execução permanece restrita aos valores que a lei autoriza, e a cobrança dos honorários segue um percurso próprio, sem comprometer o processo principal.

Por que o STJ adotou esse entendimento

A ministra Nancy Andrighi observou que contratos empresariais possuem maior liberdade para definir como os honorários serão cobrados, mas a relação condominial é distinta. Ela está diretamente ligada ao direito de propriedade e possui legislação específica, o que impõe limites claros ao que pode ou não ser incluído na execução. O objetivo da decisão foi equilibrar os interesses: impedir cobranças inadequadas na execução, mas sem tirar do condomínio o direito ao ressarcimento. Afinal, seria injusto que o custo gerado pelo inadimplente fosse transferido aos demais moradores.

Efeitos práticos para síndicos e administradores

Embora não tenha efeito vinculante — o que significa que não obriga todos os juízes do país —, a decisão funciona como orientação importante. Na prática, síndicos e administradoras devem manter contratos organizados, guardar registros claros das despesas jurídicas e, quando necessário, separar a cobrança dos honorários contratuais. Isso reduz riscos e evita impugnações futuras. Para o condômino, a mensagem é direta: os honorários continuam existindo, continuam sendo de responsabilidade do inadimplente e continuam podendo ser incluídos na execução enquanto não houver um entendimento obrigatório para todo o país. A diferença é que, se houver impugnação, a cobrança pode ser deslocada para um procedimento próprio, sem impedir o andamento da execução das cotas.

Um entendimento que organiza, mas não isenta

No fim das contas, a decisão do STJ traz mais organização ao processo, evitando que a execução das cotas se transforme em um conjunto de cobranças misturadas. O tribunal reforça a regra básica: quem dá causa ao atraso paga o prejuízo — inclusive os honorários do advogado. O condomínio não pode ser penalizado por ter que cobrar quem não paga, mas também não pode desrespeitar os limites legais da execução. E até que o país tenha uma orientação definitiva, os honorários seguem sendo devidos e podem continuar sendo incluídos na execução, como já ocorre amplamente na prática forense.

(*) Cleuzany Lott é advogada com especialização em Direito Condominial, MBA em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, Presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção da OAB-MG, Governador Valadares e 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial de Minas Gerais, síndica, jornalista e palestrante.

Fonte: https://drd.com.br/decisao-do-stj-nao-isenta-inadimplentes-honorarios-continuam-validos-apenas-fora-da-execucao/

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