O direito de vizinhança no condomínio: a solução legal contra o vizinho barulhento

vizinho barulhento em condomínio

Em muitos condomínios, conflitos de convivência são tratados como questões administrativas, limitando-se ao campo de atuação do síndico. No entanto, o Direito de Vizinhança, previsto no Código Civil, é um instrumento jurídico que confere ao próprio morador legitimidade para proteger seus direitos frente a abusos que extrapolam o bom senso e as normas internas.

Um exemplo dessa possibilidade foi julgado recentemente pela 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). O caso envolveu uma moradora de um residencial em Águas Claras/DF que realizava cultos religiosos em sua casa, transformada, na prática, em um templo, com direito a CNPJ e agenda regular de eventos. O problema, porém, não foi apenas a atividade religiosa em si, mas os impactos que ela causava à coletividade: barulho, fluxo excessivo de pessoas estranhas e descaracterização do uso residencial da unidade.

O diferencial do caso está na postura de um dos vizinhos, que decidiu não esperar por medidas administrativas do síndico e ajuizou uma ação judicial individual com base no direito de vizinhança. Desde 2019, ele alegava perturbação contínua aos sábados e em outros dias não fixos, com uso de instrumentos musicais e intensa movimentação de frequentadores.

Ação do morador: direito à tranquilidade

Mais que alegações, o morador apresentou um conjunto robusto de provas: abaixo-assinado de outros condôminos, vídeos dos cultos, registros de ocorrências no livro da associação e atas de assembleias que tratavam do problema. A vizinha, por sua vez, defendeu-se alegando que os encontros eram quinzenais, ocorrendo apenas entre 18h e 21h, e que não havia perturbação relevante.

Contudo, o TJDFT entendeu que o incômodo era coletivo e que a finalidade da unidade – estritamente residencial – estava sendo desvirtuada. O desembargador relator, Carlos Pires Soares Neto, destacou que “a conduta da apelante, ao promover os cultos com ruídos que extrapolam os limites legais e ao desvirtuar a finalidade residencial do imóvel, configura inequivocamente comportamento antissocial, justificando a intervenção judicial”.

Liberdade religiosa x direito de vizinhança

Embora o direito à liberdade religiosa seja garantido constitucionalmente, o tribunal ressaltou que nenhum direito é absoluto. A convivência em condomínio exige equilíbrio entre direitos individuais e coletivos, e, nesse caso, prevaleceu o direito ao sossego e à função social da propriedade.

O uso do imóvel com fins religiosos e o registro de CNPJ como igreja foram considerados violação direta ao estatuto da associação, que, em condomínios, equivale à convenção condominial. O colegiado determinou que a moradora se abstenha de realizar cultos em sua residência, sob pena de multa de R$ 5 mil em caso de descumprimento.

O papel do síndico – e o poder do morador

Apesar de a convenção do condomínio e o estatuto da associação proibirem o uso comercial ou institucional das residências, nenhuma ação administrativa resultou na cessação das atividades religiosas. Esse é um ponto importante: o síndico tem, sim, a responsabilidade de fazer cumprir as regras do condomínio, mas isso não impede que qualquer morador, sentindo-se lesado, tome a iniciativa de buscar o Judiciário.

O caso revela como o Direito de Vizinhança pode ser acionado diretamente pelos moradores, especialmente quando o problema ultrapassa os limites da tolerância comum e afeta a coletividade. A decisão do TJDFT reforça a jurisprudência de que o uso da propriedade deve respeitar não apenas as normas internas do condomínio, mas também os princípios da boa convivência e do sossego comum.

Por fim, o episódio de Águas Claras é um marco relevante para todos que vivem em comunidades condominiais. Ele mostra que, diante de omissões ou ineficácia administrativa, o próprio morador pode e deve usar os mecanismos legais ao seu alcance. O Direito de Vizinhança, muitas vezes desconhecido, é uma ferramenta poderosa para garantir o equilíbrio entre liberdade e responsabilidade na convivência urbana.

A convivência em condomínio é um pacto diário. E esse pacto só se sustenta quando todos entendem que o direito de um termina onde começa o direito do outro.

Cleuzany Lott é presidente da Comissão de Direito Condominial da 43ª Subseção OAB/MG, 3ª Vice-Presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de Minas Gerais, advogada especialista em Direito Condominial e em Administração de Condomínios e Síndico Profissional, Síndica Profissional, Jornalista e CEO do podcast Condominicando.

Fonte: https://drd.com.br/o-direito-de-vizinhanca-no-condominio-a-solucao-legal-contra-o-vizinho-barulhento/

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