Ideia não é unanimidade entre especialistas do Direito condominial
Na última semana, o projeto de lei 3417/23 ganhou espaço nas discussões jurídicas do mercado condominial. O projeto de lei tem como objetivo alterar o quórum para mudanças na convenção e da destinação dos empreendimentos que passaria de dois terços dos condôminos para maioria simples– uma mudança e tanto.
Pode soar como uma ótima medida para condomínios que buscam mais flexibilidade no seu regramento – já que muitas convenções podem ser bastante antigas, e sua modernização, difícil de ser executada.
“Antes das assembleias virtuais, condomínios de maior porte tinham extrema dificuldade de mudar a convenção. Em muitos casos era quase inviável tecnicamente”, aponta o advogado especializado em condomínios Alexandre Marques.
Por que mudar a convenção do condomínio é importante?
O documento que rege toda a vida do condomínio é a convenção. Ali constam assuntos fundamentais para a vida no empreendimento, como o regulamento interno, cobrança das cotas – se por fração ideal ou unidade -, entre diversos outros assuntos.
Manter a convenção atualizada é a forma mais eficaz de manter o regramento do condomínio alinhado com sua realidade, e não amarrado a um passado que não condiz com o presente.
Mas, justamente por ser um documento tão fundamental, o ideal é que sua alteração seja feita de forma cuidadosa, pensando sempre no bem-estar da maioria.
“Acredito sempre que a flexibilidade seja bem-vinda, mas deve estar acompanhada de cuidado e do interesse da maioria”, expõe Alexandre Zito, advogado especializado em condomínios.
Esse é o ponto principal de crítica ao projeto de lei: é interessante flexibilizar para que as mudanças na convenção possam ser feitas de forma efetiva. Mas o quórum proposto pode permitir que as alterações sejam feitas sem o devido diálogo.
“Em alguns países, como a Itália, há a diferenciação da lei para empreendimentos maiores ou menores, porque se entende que as necessidades são diferentes”, exemplifica Zito.
Alteração da destinação da unidade ou do condomínio
A destinação do condomínio diz respeito a sua finalidade: se comercial, residencial, misto ou multipropriedade, por exemplo.
Outra lei, a 14.405, entrou em vigor em 2022, já havia alterado o quórum de destinação do empreendimento todo ou das unidades, como citava o artigo 1351 do Código Civil – de unânime para dois terços dos condôminos.
Caso o PL seja aprovado, com maioria simples, poderia se decidir o futuro de todo o condomínio mudando a sua finalidade, algo que os especialistas consultados não creem ser uma boa ideia.
“Imagina se você compra uma unidade em um condomínio que está sendo construído para morar com a sua família e a construtora, por ter a maioria das unidades, decide que agora o empreendimento passa a ser multipropriedade. Cada unidade pode ter até 47 proprietários. Não creio que seja muito conveniente”, pesa Alexandre Marques.
Marcio Spimpolo, advogado especializado na área condominial tem a mesma opinião.
“Você adquire uma unidade e, de repente, fica vulnerável a que ela seja transformada em comercial ou multipropriedade. Eu, pessoalmente, acho difícil. O proprietário fica mais suscetível a questões mercadológicas”, aponta.
Para o especialista, a possibilidade deveria ser prevista em áreas que ‘clamam por mudanças’, como espaços que estão degradados e que seriam beneficiados por novos usos de empreendimentos que já existem, o que ofereceria um impacto urbano positivo.
“Locais como centros históricos, como capitais de São Paulo e Rio de Janeiro, que estão precisando de alterações, deveriam poder contar com essa flexibilização – mas todos os locais, não. A média do brasileiro comum, que compra seu imóvel para moradia não é essa”, lembra Spimpolo.
Mas vale dizer: nem todos os advogados consultados concordam entre si.
Para André Luiz Junqueira, também advogado especializado, o dia a dia em condomínios pede, sim, quóruns mais flexíveis, principalmente devido a falta de adesão dos próprios condôminos.
“Qualquer redução de quórum eu vejo como positiva. O maior obstáculo hoje não é a divergência, para que as coisas aconteçam em condomínio, é a ausência. Não conseguimos dar seguimento aos assuntos, não por conta de discordância, mas porque não atingimos o quórum necessário”, explica Junqueira.
Próximos passos do PL
O projeto de lei agora será analisado de forma conclusiva pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania. Caso seja aprovada, ainda deve passar pela anuência da Câmara dos Deputados e do Senado antes de se tornar lei.
Novidades jurídicas
João Paulo Rossi Paschoal, advogado especializado em condomínios e assessor jurídico da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), aponta que há, de fato, uma tendência de flexibilizar os quóruns previstos.
“Mas acredito que, além desse projeto de lei, a reforma do Código Civil tem o potencial de mexer em muito mais nas leis que afetam os condomínios. O PL [projeto de lei] reúne os protagonistas que reformaram o Código de Processo Civil. Agora, estão de olho no Código Civil”, detalha ele.
Fontes: João Paulo Rossi Paschoal, advogado especializado em condomínios e assessor jurídico da Aabic (Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo), André Luiz Junqueira, advogado especializado em condomínios, Alexandre Marques, advogado especializado em condomínios, Luiz Fernando Zito, advogado especializado em condomínios e Marcio Spimpolo, advogado especializado em condomínios.