Desde que entrou em vigor em 2020, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) — Lei nº 13.709/18 — vem provocando transformações profundas na forma como empresas, instituições e organizações coletivas lidam com informações pessoais. No universo condominial, ainda há muitas dúvidas e uma falsa sensação de que condomínios estariam fora do escopo da legislação. Essa interpretação, no entanto, é equivocada e pode trazer sérias consequências jurídicas.
Os condomínios, embora não tenham fins lucrativos, coletam, armazenam, processam e compartilham dados sensíveis de moradores, funcionários, visitantes, prestadores de serviços e terceiros, e por isso estão, sim, sujeitos às normas da LGPD. A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) já se posicionou sobre a aplicabilidade da lei a pessoas jurídicas de direito privado, independentemente do modelo de gestão.
Quais dados são tratados nos condomínios?
No dia a dia condominial, uma série de dados pessoais circulam e são armazenados por meios digitais e físicos, como:
- Nome completo, CPF e RG dos moradores e visitantes;
- Endereço, telefone, e-mail, número da unidade;
- Imagens captadas por câmeras de segurança;
- Dados biométricos em sistemas de portaria;
- Informações financeiras, como boletos e inadimplência;
- Dados de funcionários e prestadores de serviços.
Em alguns casos, os dados são considerados sensíveis, como imagens de crianças, informações médicas (ex: se o morador autoriza entrada de cuidadores) ou dados de acessibilidade. A LGPD impõe padrões rigorosos para coleta, uso, armazenamento e compartilhamento dessas informações — inclusive exigindo consentimento em várias situações.
Consequências do descumprimento da LGPD
Desde agosto de 2021, a ANPD está autorizada a aplicar sanções, que vão de advertência até multas que podem chegar a 2% do faturamento anual da entidade, limitadas a R$ 50 milhões por infração. Embora a maioria dos condomínios não atinja cifras elevadas, ações judiciais individuais por uso indevido de dados estão crescendo, e o condomínio pode ser responsabilizado por vazamentos ou exposição indevida.
Exemplo comum: divulgar em grupo de WhatsApp a lista de inadimplentes, ou colar o nome de devedores no elevador. Essas práticas violam a LGPD e podem gerar ações por dano moral e violação de privacidade.
Além disso, o condomínio pode responder por:
- Armazenamento de dados sem segurança adequada (falha técnica);
- Câmeras com alcance indevido, gravando dentro de apartamentos;
- Cadastro de visitantes sem controle sobre o tempo de retenção dos dados;
- Compartilhamento de dados com empresas terceirizadas sem cláusulas de proteção contratual.
Como se adequar à LGPD na prática condominial
A boa notícia é que a adaptação é possível, e não precisa ser onerosa. O primeiro passo é entender que o condomínio, ao tratar dados, atua como agente controlador, devendo garantir a finalidade, segurança e transparência do uso dessas informações.
Síndico pode ser responsabilizado?
Sim. O síndico tem responsabilidade civil e, eventualmente, criminal, caso se comprove negligência no tratamento de dados. Se uma imagem de câmera for usada indevidamente ou se dados de moradores forem expostos, ele pode ser acionado judicialmente e responder por omissão.
Veja algumas medidas recomendadas:
- Revisar e atualizar o regimento interno e o contrato com a administradora, incluindo cláusulas específicas sobre proteção de dados;
- Implementar política de privacidade interna, informando moradores sobre quais dados são coletados, com que finalidade e por quanto tempo;
- Treinar porteiros e funcionários para evitar exposição indevida (ex: evitar comentar sobre unidades inadimplentes ou problemas médicos de moradores);
- Restringir o acesso a dados sensíveis: planilhas de inadimplência e imagens de câmeras devem ter acesso limitado a síndico e administradora, com senha e criptografia;
- Ter consentimento claro para o uso de dados, especialmente biométricos, reconhecimento facial e registros em aplicativos;
- Firmar contratos com cláusulas de proteção de dados com prestadores de serviços (limpeza, segurança, portaria remota, etc.);
- Indicar um “encarregado de dados” (DPO) — pode ser o síndico, a administradora ou um terceiro contratado, responsável por responder à ANPD e garantir a conformidade.
Por isso, é essencial que o síndico tome medidas preventivas e registre todas as decisões em assembleia, buscando assessoria jurídica especializada para a elaboração de protocolos e adequações.
Conclusão
A LGPD não é uma burocracia excessiva — ela é uma ferramenta de proteção que garante a segurança jurídica tanto para os moradores quanto para o próprio condomínio. Em tempos de vazamentos de dados, golpes digitais e ações coletivas, a adequação à LGPD deixou de ser opcional e se tornou parte da boa gestão condominial.
Condomínios que respeitam a privacidade e a legislação demonstram profissionalismo, valorizam o patrimônio dos moradores e evitam prejuízos futuros. A hora de se adequar é agora — antes que o problema bata à porta.
Juliana Teles é advogada Especialista em Direito Condominial e sócia do escritório Faustino e Teles
Fonte: https://diariodejustica.com.br/lgpd-nos-condominios-o-que-muda-na-pratica/