STJ reafirma que dívida de condomínio vincula o imóvel, mesmo sem registro da promessa de compra. Responsabilidade é de quem está na posse e do dono formal.
quarta-feira, 4 de junho de 2025
A 2ª seção do STJ, em recente julgamento relatado pela ministra Isabel Gallotti, reiterou um entendimento fundamental para a dinâmica das relações condominiais: nos casos em que o contrato de promessa de compra e venda não foi registrado em cartório, tanto o vendedor quanto o comprador do imóvel podem ser responsabilizados pelo pagamento das cotas condominiais vencidas após a imissão do comprador na posse.
Essa decisão reabre o debate sobre a aplicação do Tema 886 dos recursos repetitivos e sobre a natureza propter rem das obrigações condominiais, exigindo uma análise técnica, mas acessível, diante da relevância prática da controvérsia para o mercado imobiliário e para a administração condominial.
O caso: Promessa de compra, posse e inadimplência
O caso concreto envolveu uma companhia de habitação popular que, em 1985, prometeu vender um imóvel a um casal, o qual tomou posse do bem. Entre 1987 e 1996, o imóvel gerou débitos condominiais não quitados. O condomínio ajuizou ação de cobrança contra os compradores, obtendo decisão favorável.
Contudo, como os bens dos devedores não foram suficientes para satisfazer a execução, o condomínio pleiteou a penhora do imóvel, ainda registrado em nome da companhia. Esta, por sua vez, opôs embargos de terceiros, alegando ilegitimidade para responder pela dívida, tendo em vista que não mais detinha a posse do bem. O STJ, entretanto, negou provimento ao recurso da empresa, mantendo a penhora sobre o imóvel.
Tema 886: Interpretação literal ou finalística?
A defesa da companhia se sustentava em uma das teses fixadas no Tema 886, que dispõe que, havendo ciência do condomínio sobre a imissão do comprador na posse, afasta-se a responsabilidade do promitente vendedor. No entanto, a relatora ponderou que tal entendimento não pode ser aplicado de forma automática, sob pena de desvirtuar a natureza da obrigação condominial.
Segundo Gallotti, o repetitivo não abordou suficientemente a questão sob a ótica da obrigação propter rem, que independe da relação contratual entre particulares e decorre da própria titularidade do direito real. Assim, a promessa de venda sem registro não exime o proprietário formal da obrigação condominial.
Obrigação propter rem e a proteção do interesse coletivo
A ministra foi categórica ao afirmar que o condomínio, na qualidade de credor de obrigação propter rem, não pode ficar sujeito à convenção privada entre comprador e vendedor. Trata-se de uma dívida que se vincula ao imóvel, e não à pessoa específica que o ocupa.
Essa perspectiva preserva a função social do condomínio, garantindo que os encargos decorrentes da propriedade sejam satisfeitos, mesmo diante de omissões ou ineficácia formal de contratos particulares. Permitir que o condomínio execute o próprio imóvel, independentemente da ocupação de fato, é medida que assegura o adimplemento e evita a sobrecarga dos demais condôminos.
A teoria da dualidade da obrigação: Entre débito e responsabilidade
O julgamento também resgata a contribuição doutrinária do ministro Paulo de Tarso Sanseverino (REsp 1.442.840/PR), que propôs a aplicação da teoria da dualidade da obrigação: o comprador, na posse do imóvel, é o devedor direto do débito, enquanto o proprietário registral continua como responsável patrimonial, justamente por deter a titularidade formal do bem.
Assim, a responsabilidade é compartilhada: o comprador responde pelo uso e fruição da coisa, enquanto o vendedor não pode se eximir da execução do imóvel enquanto não transferir formalmente a propriedade por meio de registro. A separação entre débito e responsabilidade, nesse contexto, permite uma solução mais equilibrada, compatível com a realidade jurídica e material do condomínio.
Prevalência da segurança jurídica e da solidariedade condominial
A decisão da 2ª seção do STJ reafirma a prevalência do interesse coletivo sobre acordos particulares não formalizados. Ao reconhecer a legitimidade passiva concorrente entre comprador e vendedor, o Tribunal resguarda a natureza propter rem da obrigação e garante a efetividade da execução da dívida condominial.
A posição adotada é coerente com os princípios que regem a propriedade e o convívio condominial, especialmente a proteção da massa condominial contra o risco da inadimplência. Em suma, não se trata apenas de uma questão de quem deve, mas de quem responde – e, nesse caso, o imóvel e seu proprietário registral não podem ficar imunes à obrigação legal que sobre eles recai.
Processos: Recursos Especiais nºs 1.910.280 e 1.442.840
Fonte: https://www.migalhas.com.br/depeso/431767/responsabilidade-por-debitos-condominiais-e-posicao-do-stj