Por André Luiz Junqueira e Elisa Cabral Mendonça
Preâmbulo – Nota do autor André Luiz Junqueira
Pouco antes da pandemia de COVID-19, em uma assembleia ordinária realizada no bairro do Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, fui confrontado com uma situação peculiar: recebi, de um condômino, um voto por escrito, devidamente assinado, que seguia o mesmo rito de apresentação das procurações, com identificação inequívoca do titular da unidade. A deliberação em pauta tratava da aprovação de uma obra voltada à acessibilidade, com o objetivo de adaptar áreas comuns do edifício para maior inclusão de pessoas com deficiência.
À época, em 2017, a convenção do condomínio não previa expressamente a possibilidade de votos por escrito, tampouco havia qualquer deliberação anterior ou precedente institucionalizado no âmbito daquele condomínio. Ainda assim, após ponderação e avaliação da ausência de qualquer prejuízo concreto ou potencial aos demais condôminos, optei por acatar e contabilizar o voto como válido. A decisão foi tomada com base na boa-fé, na transparência do processo deliberativo e na plena identificação do autor do voto.
Com a chegada da pandemia, o tema da participação remota em assembleias condominiais ganhou enorme relevância. Antes mesmo da edição do Regime Jurídico Emergencial e Transitório (RJET), que regulamentou de forma excepcional as assembleias virtuais, passamos a adotar, com cautela e técnica, um modelo de recepção antecipada de votos por escrito, para garantir a participação dos condôminos em contexto de severas restrições sanitárias e sociais.
Após quase cinco anos de utilização recorrente deste procedimento em centenas de condomínios sem nenhuma invalidação judicial de milhares de votos, observa-se não apenas a viabilidade da prática, mas também sua eficácia e legitimidade. O voto antecipado por escrito se consolidou como um instrumento valioso de participação direta, sem intermediários, ampliando a inclusão e o engajamento condominial.
O presente artigo tem por finalidade refletir, com fundamento jurídico, sobre a legalidade, a validade e a conveniência da utilização do voto por escrito em assembleias condominiais, contribuindo para que outros condomínios possam adotar, com segurança, esse importante mecanismo de deliberação coletiva.
- Introdução
A assembleia de condôminos, no contexto do condomínio edilício, configura-se como um dos institutos mais relevantes e, ao mesmo tempo, mais desafiadores do ponto de vista jurídico, administrativo e social. Trata-se do espaço deliberativo no qual se manifestam vontades plurais, frequentemente divergentes, resultado da convivência entre indivíduos com diferentes perfis, interesses, valores, origens e compreensões sobre o bem coletivo.
A pluralidade que caracteriza o universo condominial é fonte não apenas de diversidade, mas também de complexidade na tomada de decisões. O simples cumprimento do rito legal não se mostra suficiente quando se objetiva a eficácia prática das deliberações. É essencial que os procedimentos adotados sejam, além de juridicamente válidos, eficientes, úteis e funcionais para a comunidade condominial. Do contrário, corre-se o risco de se instaurar um modelo formalmente regular, mas materialmente ineficaz.
Neste cenário, destaca-se a necessidade de se refletir sobre mecanismos que conciliem legalidade e efetividade, com especial atenção ao procedimento de recepção de votos por escrito antes da realização da assembleia — prática já verificada na experiência concreta de diversos condomínios e que consiste na manifestação antecipada de vontade do condômino, por meio documental idôneo, com contabilização do voto no momento oportuno da assembleia.
O presente artigo tem por objetivo examinar, sob a ótica do ordenamento jurídico brasileiro, a validade, os fundamentos legais, os riscos e as salvaguardas necessárias para a adoção desse procedimento.
Trata-se de proposta inovadora, ainda que de execução relativamente simples, cuja análise se mostra oportuna para que operadores do Direito, síndicos, administradores e condôminos compreendam o porquê de sua legalidade, qual sua utilidade e de que forma deve ser implementada para garantir segurança jurídica e prevenir conflitos. - O Procedimento Tradicional da Assembleia Condominial: Uma Tradição Pouco Questionada
A assembleia de condôminos, tal como praticada historicamente no Brasil, segue um modelo tradicional cuja origem repousa menos em normas legais expressas e mais em costumes, repetições institucionais e práticas herdadas de outros regimes jurídicos ou societários. Até pouco tempo, muitas das estruturas da assembleia — incluindo a figura do presidente, a forma de lavratura da ata e a condução dos trabalhos — não encontravam respaldo explícito na legislação condominial, e mesmo hoje permanecem, em grande medida, dependentes da regulamentação convencional e da prática reiterada.
Convida-se o leitor à reflexão: por que determinadas práticas são adotadas de forma tão naturalizada, sem questionamento quanto à sua origem, legalidade ou eficácia? A figura do presidente da mesa, por exemplo, apesar de amplamente aceita e utilizada, não possui disciplina específica no Código Civil. Sua eleição, funções, poderes, limites e possibilidades de destituição não estão delineados pela lei, restando ao próprio condomínio a tarefa de disciplinar tais aspectos por meio de sua convenção ou pela prática reiterada nas assembleias.
O mesmo ocorre com a forma de lavratura da ata, tradicionalmente inspirada em modelos cartorários, societários ou até mesmo judiciais. Utiliza-se um padrão formal que remonta a práticas históricas de redação, que muitas vezes prioriza a solenidade em detrimento da clareza ou da objetividade. A repetição de fórmulas, sem reflexão crítica sobre sua funcionalidade no contexto específico do condomínio, contribui para a manutenção de um modelo que pode não mais atender às necessidades contemporâneas de participação e transparência.
É nesse contexto que se insere a proposta de aceitação do voto por escrito como mecanismo legítimo de manifestação da vontade do condômino. Questiona-se: se é juridicamente admitida a apresentação de procurações — instrumentos de mandato por meio dos quais o condômino delega a outro, condômino ou não, o poder de representá-lo na assembleia, inclusive com liberdade de voto —, por que não admitir a manifestação direta da vontade do titular da unidade, de forma escrita, clara e inequívoca?
A procuração pode ser ampla, permitindo ao mandatário deliberar conforme seu julgamento, ou pode ser restrita, vinculando o voto do procurador a uma instrução expressa. Nesse último caso, a vontade do outorgante já se apresenta delimitada. O voto por escrito, então, nada mais seria do que a manifestação direta e autêntica dessa mesma vontade, suprimindo o intermediário. Evita-se, com isso, o risco de desvios de finalidade por parte do procurador, interpretações equivocadas ou omissões.
A mesa da assembleia, ao receber o voto por escrito, atua como fiel depositária dessa manifestação, devendo apenas verificar sua autenticidade, regularidade e tempestividade. A deliberação, portanto, ganha em integridade e fidelidade à vontade dos condôminos, sem sacrificar a segurança jurídica. O procedimento, ainda que inovador em relação à tradição condominial, encontra respaldo lógico e normativo no próprio sistema de representação já admitido pelas práticas assembleares.
Assim, a indagação se impõe: por que não admitir o voto por escrito? A resposta a essa pergunta — que será aprofundada nos capítulos seguintes — exige um olhar crítico sobre as tradições condominiais e uma abertura para soluções jurídicas que aliem legalidade e efetividade, em favor de uma gestão mais democrática, participativa e transparente. - O Direito Assemblear: Voz e Voto como Expressões da Propriedade Condominial
O direito de participação em assembleia constitui uma das manifestações mais relevantes do exercício da propriedade condominial. Nos termos do artigo 1.335, inciso III, do Código Civil, é assegurado ao condômino o direito de votar e participar das deliberações da assembleia, desde que esteja quite com suas obrigações perante o condomínio. Trata-se, portanto, de um direito subjetivo consagrado legalmente, decorrente da titularidade da fração ideal do solo e da propriedade da unidade autônoma.
Esse direito, que pode ser denominado como direito assemblear, subdivide-se em dois aspectos distintos, porém complementares: o direito de voz e o direito de voto. A distinção entre essas duas formas de participação é fundamental para compreender a dimensão política da vida condominial e para estabelecer os limites de eventuais inovações procedimentais, como é o caso da manifestação de vontade por escrito.
A participação subjetiva, consubstanciada no uso da palavra durante a assembleia, confere ao condômino a possibilidade de influenciar os demais participantes por meio da exposição de argumentos, ponderações e opiniões. Trata-se do exercício da retórica condominial, com o objetivo de promover a persuasão, o convencimento e a deliberação coletiva consciente. A voz, nesse contexto, é instrumento de construção do consenso — ou, ao menos, da exposição transparente de dissensos.
Já a participação objetiva ocorre no momento da votação. É quando o condômino expressa sua vontade de forma definitiva, sendo esta computada para fins de formação do quórum e da deliberação. Ao votar, o condômino deixa de apenas influenciar e passa a compor, de maneira direta e mensurável, o resultado da assembleia. O voto, portanto, é a materialização da vontade individual com impacto sobre a decisão coletiva.
Ambos os aspectos — voz e voto — são protegidos juridicamente. Eventual supressão ou anulação desses direitos, sem fundamento legal, pode comprometer a validade das deliberações e ensejar questionamentos judiciais. Por outro lado, admite-se que o exercício desses direitos seja objeto de limitações proporcionais e razoáveis, desde que previstas em norma convencional, regimental ou decididas pelo colegiado da assembleia.
No caso do direito de voz, a limitação pode ocorrer por razões de ordem e bom funcionamento dos trabalhos assembleares. Assim, é possível que o presidente da mesa, o plenário, o regimento interno ou um regulamento específico da assembleia estabeleçam restrições de tempo, ordem de fala ou mesmo impeçam a manifestação de condômino que esteja perturbando a reunião, ofendendo outros participantes ou abusando de seu direito.
O direito de voto, embora de maior rigidez, também pode sofrer limitações legais. O próprio Código Civil impõe uma restrição objetiva ao direito de voto, ao determinar que apenas condôminos quites com suas obrigações podem exercer esse direito (art. 1.335, III). Além disso, o condômino que for titular de unidade com uso exclusivo antissocial, ou que descumpra reiteradamente os deveres legais e convencionais, pode, em situações excepcionais, sofrer outras restrições que venham a ser validadas judicialmente.
O exposto até o momento permite delimitar com clareza a participação ativa do condômino na assembleia — aquela que se dá por meio do exercício do direito de voz e de voto. Contudo, é necessário reconhecer também a existência da participação passiva, igualmente relevante sob a ótica do direito assemblear.
A participação passiva consiste na faculdade que o condômino possui de acompanhar a assembleia como ouvinte, escutando os demais participantes, acompanhando as exposições, ponderações e debates, sem, necessariamente, intervir por meio de manifestações orais ou voto. Trata-se de uma dimensão do direito de participar da assembleia que, embora silenciosa, é protegida juridicamente.
Afinal, o condômino tem o direito de se informar, observar e refletir sobre os assuntos tratados, mesmo que opte por não se manifestar.
Importa destacar que nenhuma das formas de participação — ativa ou passiva — possui natureza obrigatória. O condômino não está legalmente compelido a comparecer à assembleia, a votar, a usar da palavra ou mesmo a ouvir os demais. Ele tem o direito de exercer ou não essas prerrogativas, conforme seu interesse, conveniência ou estratégia pessoal. A abstenção, seja ela deliberada ou decorrente de ausência, também é manifestação válida no âmbito do processo decisório condominial.
Por outro lado, esse direito à não participação não pode ser confundido com o poder de restringir o exercício do direito alheio. Ou seja, o condômino pode se retirar da assembleia ou decidir não escutar os demais, mas não pode impedir que outro condômino exerça sua voz. A liberdade de não participar não autoriza qualquer tipo de censura, interrupção ou coibição da manifestação legítima dos demais.
Essas distinções são fundamentais para os desdobramentos que se seguirão. Compreender que o condômino possui o direito de influenciar os demais (participação ativa), de votar e assim impactar objetivamente o resultado da deliberação, mas também o direito de simplesmente escutar ou se abster (participação passiva), é essencial para que se delimite com precisão o alcance dos direitos assembleares e para evitar interpretações equivocadas sobre a obrigatoriedade ou extensão desses direitos. Essa base conceitual será determinante para a análise da validade do voto por escrito, enquanto modalidade de participação deliberativa exercida de forma direta e legítima pelo titular da unidade. - A Dinâmica do Voto por Escrito: Requisitos e Procedimentos
A votação em assembleia condominial pressupõe, como regra, a existência de uma sessão formalmente instaurada, na qual os condôminos presentes ou representados deliberam sobre os itens constantes na ordem do dia. Essa sessão deve contar com a composição mínima da mesa — usualmente formada por presidente e secretário — conforme definido na convenção condominial ou, na ausência de disposição expressa, segundo os usos e costumes reiterados do condomínio.
É nesse contexto que os votos devem ser proferidos e contabilizados: durante a sessão da assembleia, enquanto esta se encontra aberta, em curso e regularmente instalada. A introdução do voto por escrito, embora inovadora, não subverte esse princípio. Ao contrário, busca apenas antecipar a manifestação de vontade, formalizando-a em documento encaminhado previamente ao condomínio, de modo que sua contabilização ocorra no momento processual adequado, qual seja, durante a deliberação na assembleia.
Na ausência de procedimento específico previsto em convenção, regimento interno ou edital de convocação, o voto por escrito poderia ser simplesmente encaminhado ao representante legal do condomínio — ou seja, o síndico —, que atuará como fiel depositário da manifestação do condômino, apresentando o documento à mesa na data da assembleia. Contudo, a segurança jurídica e a transparência do processo deliberativo recomendam que se estabeleça um procedimento normativo claro, preferencialmente por meio do regimento interno ou, ao menos, expressamente indicado no edital de convocação.
Esse procedimento pode conter, entre outros aspectos: (i) o prazo limite para o envio do voto por escrito; (ii) o canal oficial para recepção do documento (físico ou eletrônico); (iii) a necessidade de assinatura autógrafa ou digital; (iv) eventual exigência de reconhecimento de firma; e (v) a obrigatoriedade de identificação da unidade e do titular do voto. Recomenda-se que tais exigências sigam os mesmos critérios já adotados pelo condomínio para a apresentação de procurações, garantindo isonomia e previsibilidade. Ainda que este artigo não se proponha a aprofundar os debates sobre os requisitos das procurações condominiais — como, por exemplo, a obrigatoriedade ou não de reconhecimento de firma —, destaca-se que a simetria entre os critérios de aceitação de procurações e votos escritos contribui para a coerência normativa interna do condomínio.
No que se refere ao exercício dos direitos assembleares, a manifestação por escrito configura renúncia parcial e voluntária a determinadas faculdades inerentes à assembleia. O condômino que opta por enviar seu voto antecipadamente e não comparece à reunião está, por consequência, renunciando ao direito de voz, já que não interagirá com os demais participantes nem poderá responder a argumentos suscitados em tempo real. Ainda que inclua, em seu voto por escrito, uma justificativa ou manifestação de posicionamento, essa exposição será estática e unidirecional, sem possibilidade de diálogo ou réplica.
Trata-se, portanto, de uma forma limitada — mas legítima — de participação subjetiva.
Da mesma forma, o condômino que não comparece presencial ou virtualmente à assembleia renuncia ao exercício da participação passiva, pois não escutará as exposições dos demais e não acompanhará a dinâmica da deliberação. Resta, contudo, preservado seu direito objetivo de influenciar o resultado da votação, por meio da contabilização do voto escrito, desde que válido e tempestivamente apresentado.
Surge, então, uma questão central: seria válido o voto por escrito, mesmo quando proferido por condômino que não acompanhou a assembleia e não escutou os demais participantes? Essa será a indagação a ser enfrentada na sequência deste capítulo.
Diante do questionamento anteriormente formulado — se seria válido o voto por escrito, mesmo quando proferido por condômino que não acompanhou presencialmente ou virtualmente a assembleia —, a resposta é afirmativa. A validade do voto está condicionada à sua regularidade formal, à identificação do votante e à compatibilidade com o edital de convocação e o procedimento adotado. O exercício do direito de voto não está vinculado, necessariamente, à escuta ou interação com os demais condôminos, mas sim à expressão de vontade, ainda que unilateral e antecipada.
É possível, inclusive, que o próprio edital de convocação auxilie o condômino nesse processo decisório, fornecendo elementos informativos prévios: nomes de candidatos, propostas, pareceres, relatórios financeiros, orçamentos e outros documentos de apoio. Isso já ocorre, de forma indireta, com a outorga de procurações específicas nas quais o condômino orienta seu procurador a votar em determinado candidato ou em determinado sentido de deliberação, mesmo sem saber se haverá ou não outros candidatos, ou se o item será efetivamente votado.
Se, por exemplo, o condômino determina em instrumento de mandato que seu procurador vote no candidato “X” à sindicatura, e esse candidato desiste da candidatura, não há dúvida de que o procurador estará impedido de votar em outra pessoa. O mandato é vinculante e reflete a vontade expressa do outorgante. A mesma lógica se aplica ao voto por escrito: cabe exclusivamente ao titular do direito de voto avaliar se dispõe de elementos suficientes para exercer sua manifestação antecipada de forma consciente.
Em deliberações como a aprovação ou rejeição de contas, o condômino pode, com base em seu próprio juízo, decidir-se previamente, ainda que sem ter participado de debates ou sem ter lido toda a documentação contábil. Trata-se de uma decisão autônoma, cujas consequências jurídicas serão suportadas por quem vota. O voto pode ser emitido com ou sem justificativa, e sua eficácia não depende do convencimento de terceiros, tampouco de participação na discussão assemblear.
Nesse sentido, não se verifica qualquer cerceamento ao direito dos demais condôminos. O condômino que deseja ser ouvido poderá se manifestar na assembleia; o que não pode é impor ao outro o dever de escutá-lo. A ausência de diálogo, ainda que lamentável sob o ponto de vista da convivência democrática, não é juridicamente irregular. O ordenamento jurídico brasileiro não impõe um dever de escuta, mas apenas assegura a faculdade de manifestação e o direito de voto.
Aliás, o voto por escrito tem se revelado um instrumento especialmente valioso em ambientes assembleares marcados por conflitos, agressividade ou condutas antissociais. Em muitos condomínios, a atmosfera da assembleia afasta os condôminos mais pacíficos, que, embora interessados na gestão do patrimônio comum, preferem não se expor a situações constrangedoras, tumultuadas ou agressivas. O voto por escrito, nesse contexto, promove a inclusão deliberativa, permitindo a participação de forma serena, segura e compatível com o perfil do votante.
A conclusão, portanto, é clara: o voto por escrito é válido, desde que atenda aos requisitos formais definidos pelo condomínio e seja apresentado de forma tempestiva e inequívoca. Ele representa uma forma legítima de manifestação da vontade condominial, compatível com o sistema jurídico vigente e com os princípios da autodeterminação, da boa-fé e da participação democrática na vida condominial. - Casos Práticos e Reflexões sobre a Implementação do Voto por Escrito em Assembleias Ordinárias
A adoção do voto por escrito como mecanismo de participação em assembleias condominiais representa uma forma híbrida de deliberação — não no sentido tecnológico, como ocorre nas assembleias telepresenciais, mas no sentido funcional: parte dos condôminos manifesta sua vontade presencialmente ou em tempo real, enquanto outros o fazem antecipadamente, por meio de manifestação escrita. Trata-se de uma modalidade de participação à distância que, embora simples, exige cuidados e compreensão quanto às suas implicações práticas.
A Assembleia Geral Ordinária (AGO), que possui como temas recorrentes a prestação de contas, a eleição de síndico e a aprovação do orçamento/previsão orçamentária, oferece importantes exemplos para refletir sobre a viabilidade e a utilidade do voto por escrito.
No que diz respeito à prestação de contas, é fundamental reconhecer que a análise adequada dos documentos contábeis de um condomínio não pode — e não deve — ocorrer apenas durante a assembleia. A documentação normalmente compreende doze conjuntos mensais de pastas com faturas, balancetes, extratos bancários, notas fiscais, contratos e relatórios diversos. Esperar que o condômino forme juízo durante os poucos minutos dedicados ao tema em assembleia é, muitas vezes, irrealista.
Assim, a possibilidade de o condômino examinar previamente os documentos, formar sua convicção de forma responsável e manifestá-la por escrito, de maneira antecipada, contribui para o amadurecimento da deliberação coletiva.
Esse condômino pode, por exemplo, optar por aprovar integralmente as contas, reprová-las, ou aprovar com ressalvas, apresentando, se desejar, os fundamentos de sua decisão. Podem também declarar que segue o parecer do conselho fiscal, confiando na atuação do órgão de controle interno. A assembleia, por sua vez, ao computar os votos, deve considerar todas as opções apresentadas, sendo possível, inclusive, que, diante da multiplicidade de manifestações, opte-se por submeter separadamente cada uma das alternativas à votação, ou contabilizar cada posição nos termos do modelo já praticado pelo condomínio.
Na eleição de síndico, o principal desafio reside na incerteza quanto à composição do rol de candidatos até o momento da assembleia. O condômino que opta por votar por escrito renuncia ao dinamismo próprio da assembleia, inclusive da possibilidade de alterar seu voto em razão de desistências, esclarecimentos, debates ou da apresentação de novas candidaturas. Ainda assim, esse exercício de voto é legítimo: o condômino pode registrar sua preferência por determinado candidato, com base na confiança pessoal ou em experiências anteriores, assumindo o risco de que tal pessoa eventualmente não formalize sua candidatura. Nesse caso, o voto será simplesmente desconsiderado, por ausência de objeto.
Quanto à previsão orçamentária, o voto antecipado pode ser emitido mesmo que o condômino não conheça, em detalhes, a proposta que será apresentada pela gestão. Trata-se de uma situação análoga à das procurações abertas, nas quais o mandatário possui liberdade de decidir no momento da assembleia. O condômino, por sua vez, pode registrar que aprova a proposta que for apresentada pela administração, reprova qualquer aumento de cota, ou manifesta outra posição genérica. Cabe ao síndico, no momento da elaboração do edital, aprimorar a qualidade da deliberação por meio da inclusão da proposta orçamentária completa ou, ao menos, de parâmetros, comparativos e justificativas que permitam ao condômino antecipar seu julgamento com maior segurança.
5.1. Prestação de Contas: O Papel do Parecer do Conselho e a Antecipação Informativa
No contexto da prestação de contas, um dos elementos essenciais para qualificar a deliberação assemblear é o parecer do conselho fiscal. Embora não se trate de um ato deliberativo, o parecer exerce importante função orientadora, fornecendo um norte técnico e institucional aos demais condôminos. Por essa razão, não é recomendável que o parecer do conselho seja apresentado apenas no momento da assembleia. O ideal é que ele já esteja concluído antes da convocação da AGO, a fim de que seja possível não apenas sua divulgação ampla, mas também para que o síndico tenha ciência prévia de eventuais desconformidades apontadas.
Esse procedimento favorece uma gestão mais eficiente e colaborativa. Havendo tempo hábil, o síndico poderá sanear falhas, corrigir equívocos ou esclarecer pontos controversos, de forma que as contas sejam levadas à assembleia com o máximo de conformidade possível. Além disso, se o parecer do conselho acompanhar o edital de convocação, os condôminos terão condições reais de analisar previamente os dados e exercer, se desejarem, o voto por escrito com maior embasamento.
Vale destacar que o parecer do conselho não vincula os condôminos, mas exerce função técnico-orientativa. Logo, sua disponibilização prévia contribui para o amadurecimento do debate e para a qualificação do voto, especialmente aquele exercido de forma antecipada. A ausência dessas informações, por outro lado, tende a conduzir o condômino a comparecer presencialmente à assembleia, com o objetivo de obter os esclarecimentos necessários antes de decidir.
5.2. Eleição de Síndico: Procedimentos Facilitadores para Voto Antecipado
Na eleição de síndico, uma das principais incertezas que afetam o voto antecipado por escrito reside na indefinição dos candidatos até o momento da assembleia. Para mitigar esse obstáculo, o condomínio pode, mesmo sem previsão específica em convenção, instituir um procedimento facultativo de pré-candidatura, estabelecendo prazos para que os interessados se apresentem antes da realização da assembleia.
O próprio síndico, ao elaborar o edital, pode indicar sua disposição de concorrer à reeleição, bem como abrir prazo — ainda que meramente indicativo — para manifestação de outras candidaturas. Esse procedimento visa apenas dar transparência e previsibilidade, permitindo que os condôminos que desejam votar por escrito tenham opções minimamente definidas para fundamentar sua decisão.
Importa ressaltar que a abertura de candidaturas na própria assembleia continua plenamente válida, salvo se houver norma em sentido contrário. Não há qualquer impedimento legal para que um condômino manifeste sua candidatura no momento da sessão, tampouco há que se falar em prejuízo à sua postulação, desde que esteja ciente de que, ao fazê-lo tardiamente, terá menos tempo para divulgação e articulação junto aos demais.
Trata-se, portanto, de uma faculdade do processo democrático interno do condomínio, que confere maior transparência à eleição, sem impor barreiras formais ou materiais aos interessados.
5.3. Previsão Orçamentária: Informação Antecipada como Instrumento de Deliberação
A deliberação sobre a previsão orçamentária anual, embora seja um dos pontos mais sensíveis e importantes da AGO, pode ser tratada de forma direta e simples, desde que acompanhada da devida transparência. O síndico, ao encaminhar o edital de convocação, deve anexar a proposta orçamentária ou, ao menos, um quadro comparativo com justificativas, de forma a permitir que os condôminos exerçam seu juízo crítico com base em dados concretos.
Com essa medida, o condômino poderá exercer seu voto antecipado por escrito — seja aprovando integralmente a proposta, seja rejeitando-a, ou até mesmo sugerindo modificações. Caso a assembleia decida por apresentar ou debater uma nova proposta orçamentária durante a sessão, que não tenha sido disponibilizada previamente, o voto por escrito que não corresponder a essa nova proposta não poderá ser considerado válido quanto a esse ponto específico, por ausência de objeto.
Ainda assim, não há qualquer vício na adoção do voto por escrito nessas condições, pois o condômino, ao optar por votar antecipadamente, assume a consequência natural de sua abstenção quanto à escuta e ao debate em tempo real, manifestando-se de acordo com o que lhe foi dado a conhecer previamente. A prática, portanto, deve ser acompanhada de mecanismos informativos eficientes, mas a ausência de informação não invalida, por si só, o voto, tampouco gera prejuízo à coletividade.
5.4. Alteração da Convenção Condominial: Deliberação Antecipada e Consciência Jurídica
A deliberação sobre a alteração da convenção condominial — seja ela parcial ou integral — constitui uma das matérias mais relevantes e sensíveis do universo jurídico do condomínio edilício. Trata-se de instrumento normativo que disciplina o funcionamento coletivo da propriedade comum e estabelece direitos, deveres e limites à atuação dos condôminos e da administração. Por essa razão, não se espera que sua análise se dê exclusivamente durante a assembleia, com base em leitura superficial ou em meros resumos.
Condôminos que votam sem ter lido integralmente a proposta de alteração da convenção assumem riscos consideráveis. Da mesma forma, aqueles que desejam exercer o voto por escrito devem proceder à leitura e à análise prévia do texto completo, de modo a garantir a formação de um juízo consciente. A administração, nesse sentido, pode — e deve — facilitar o acesso à minuta da nova convenção, encaminhando o documento completo juntamente com o edital de convocação ou mesmo em momento anterior, por meio de canais oficiais de comunicação.
Essa antecipação informacional favorece a manifestação qualificada por escrito, permitindo que o condômino, caso deseje, apresente seu voto com sugestões de alteração, ressalvas ou discordâncias pontuais, por meio de justificativas redigidas que acompanhem a manifestação. Muitas vezes, essa forma de manifestação pode ser até mais aprofundada e cuidadosa do que uma intervenção oral durante a assembleia, que naturalmente estará sujeita a limitações de tempo e de organização dos trabalhos.
Caso não haja quórum de dois terços na primeira sessão deliberativa, é prática válida a realização de assembleia em aberto ou a convocação de sessões subsequentes. Nesse cenário, os condôminos que não participaram inicialmente — seja presencialmente, seja por voto antecipado — terão nova oportunidade de se manifestar com base no conteúdo da ata parcial divulgada. Assim, a possibilidade de voto por escrito não prejudica o processo coletivo, tampouco impede o debate contínuo sobre o tema, desde que a gestão adote as medidas necessárias de comunicação e transparência.
5.5. Obras e Contratações: Antecipação de Informações como Instrumento de Decisão
Deliberações sobre obras e contratações de serviços também podem ser objeto de voto por escrito, desde que o condomínio assegure, previamente, o fornecimento de informações suficientes para a tomada de decisão. A administração pode — e deve — disponibilizar com antecedência os orçamentos recebidos, as propostas contratuais, os pareceres técnicos eventualmente obtidos e a justificativa da gestão pela escolha de determinado fornecedor ou prestador de serviço.
A disponibilização dessas informações, seja junto ao edital de convocação ou por meio de outros canais oficiais, empodera o condômino a avaliar criteriosamente a proposta, refletir sobre o custo-benefício, analisar a regularidade fiscal e técnica do prestador, ponderar os impactos da obra e, assim, formar convicção autônoma e responsável sobre o assunto.
Mesmo que o condômino opte por votar sem escutar os demais, seu direito de voto permanece preservado, desde que tenha sido garantido o acesso às informações essenciais. A ausência de manifestação presencial ou de escuta das demais posições não invalida sua deliberação, pois decorre de faculdade jurídica legítima — a de participar nos termos e na forma que melhor atenda à sua realidade, respeitados os princípios da legalidade, da transparência e da boa-fé.
5.6. Deliberações Gravosas e o Devido Direito de Defesa
As deliberações assembleares que envolvem medidas punitivas ou gravosas em face de determinada unidade ou condômino exigem cuidados específicos quanto à preservação do contraditório e da ampla defesa, ainda que se trate de esfera privada e de processo não jurisdicional. Nessas situações, o voto por escrito, embora não esteja proibido, deve ser precedido da disponibilização de elementos suficientes que permitam o exercício consciente do juízo deliberativo pelos condôminos.
É o caso, por exemplo, de assembleias que tratam da aplicação de multas por infrações reiteradas, da caracterização de conduta antissocial, da imposição de restrições ao uso de áreas comuns ou da propositura de ação de exclusão judicial de ocupantes. Em tais hipóteses, existe um condômino claramente identificado como parte afetada, que deve ter garantida a possibilidade de apresentar sua defesa por escrito, além de, se desejar, utilizar a palavra na própria assembleia.
Não se trata aqui de mera recomendação — como ocorre em temas financeiros ou eleitorais —, mas de obrigação decorrente da boa-fé objetiva e da função integradora do princípio do devido processo no ambiente condominial. O condomínio, ao convocar a assembleia, deve explicitar com clareza a pauta, indicar o condômino envolvido, e abrir prazo razoável para a apresentação da defesa por escrito, que será compartilhada com todos os condôminos. Da mesma forma, a administração ou os condôminos que propuserem a medida devem apresentar suas razões, também por escrito.
Com isso, cria-se um conjunto mínimo de informações disponíveis para que os demais condôminos possam exercer seu direito de voto — inclusive por escrito — com base em elementos objetivos, e sem que se alegue posterior cerceamento de defesa. Aqueles que comparecerem à assembleia presencialmente ainda poderão ouvir a manifestação oral do condômino acusado, se este desejar fazê-la, mas essa escuta não é juridicamente exigível para a validade do voto. Sem prejuízo de facultar que o condômino interaja com os demais condôminos votantes antes gravando um vídeo com sua defesa ou distribuindo memoriais. Lembrando que o julgamento de uma assembleia não precisa exigir a mesma técnica jurídica de um magistrado, apenas deve ser garantido um canal para a defesa.
Caso o condômino infrator, devidamente notificado, não apresente sua defesa por escrito nem compareça à assembleia, terá exercido negativamente sua faculdade de defesa, e os demais poderão deliberar à sua revelia. Importa, contudo, que o edital deixe claro o procedimento e os prazos, para que a ausência de defesa não seja interpretada como falha da administração, mas sim como opção do condômino interessado.
Portanto, o voto por escrito é possível mesmo em deliberações gravosas, mas sua validade dependerá da observância rigorosa do contraditório e da plena ciência dos elementos de acusação e de defesa por parte de todos os votantes. Isso garante segurança jurídica à deliberação e evita a nulidade por vício de procedimento.
5.7. Escolha Antecipada da Presidência e Secretaria da Assembleia
Um aspecto muitas vezes negligenciado, mas de grande relevância prática para o bom andamento das assembleias, é a escolha do presidente e do secretário da sessão. A possibilidade de os condôminos se manifestarem antecipadamente por escrito sobre esses cargos pode não apenas garantir maior previsibilidade e controle do processo, como também facilitar o início da assembleia e evitar discussões desgastantes logo nos primeiros minutos da reunião.
Naturalmente, nos termos do costume condominial, a presidência e a secretaria da mesa são definidas na abertura da assembleia, salvo nos raros casos em que a convenção do condomínio impõe nomes específicos.
Assim, para os condôminos que optarem pelo voto antecipado por escrito, é plenamente possível incluir em sua manifestação a escolha de quem desejam que presida a assembleia e atue como secretário.
Essa possibilidade contribui para a transparência e a eficiência da condução dos trabalhos. Ao optar por antecipar seu voto nesses cargos, o condômino pode indicar, com base em critérios objetivos como experiência, postura conciliadora, capacidade de comunicação ou confiança institucional, o nome que entende mais adequado para liderar os trabalhos. Além disso, essa manifestação pode funcionar como instrumento de pressão positiva pela escolha de nomes tecnicamente preparados, como o administrador profissional do condomínio, o advogado responsável pela assessoria jurídica, ou condôminos que já tenham exercido a função com competência em assembleias anteriores.
Tal como ocorre em qualquer votação, o condômino que vota por escrito assume o risco de que a pessoa por ele indicada não esteja presente, não aceite o encargo ou sequer deseje concorrer à função. Para mitigar esse risco, o síndico, ao elaborar o edital de convocação, pode antecipar nomes de possíveis interessados ou confirmados, oferecendo, assim, opções minimamente seguras para os condôminos que queiram manifestar seu voto por escrito.
A mesma lógica se aplica à escolha do secretário da assembleia, figura essencial para a redação e fidelidade da ata. A possibilidade de votação antecipada contribui, portanto, para um início mais célere e organizado da assembleia, reforçando a legitimidade dos trabalhos desde o seu primeiro momento e evitando disputas desnecessárias que comprometem a serenidade do ambiente deliberativo.
5.8. Sessão Informativa Prévia à Deliberação: Um Procedimento Recomendável
Uma prática inovadora e já aplicada com sucesso em diversos condomínios é a separação da assembleia em duas sessões distintas: uma exclusivamente informativa e outra deliberativa. Essa dinâmica visa qualificar o processo decisório, especialmente quando há a possibilidade de voto por escrito antecipado, e deve ser cuidadosamente desenhada no edital de convocação e, preferencialmente, regulamentada por regimento interno.
A ideia consiste em realizar, em uma primeira data, uma sessão informativa, em que nenhum voto é colhido — nem antecipado, nem em tempo real. Trata-se de um momento destinado à apresentação dos itens de pauta, exposição de dados, posicionamentos da administração e esclarecimentos de dúvidas. Nessa fase, os condôminos podem exercer livremente o direito de voz, apresentar questionamentos, propor ajustes, levantar críticas construtivas ou alternativas às propostas previamente divulgadas.
A segunda sessão, marcada para data posterior com nova convocação formal, será exclusivamente deliberativa, sem novos debates, salvo questões de ordem de natureza procedimental. Nessa ocasião, os votos são colhidos de forma objetiva — seja presencialmente, eletronicamente ou por manifestação escrita previamente enviada — conforme o formato adotado pelo condomínio.
Esse modelo fortalece o exercício do voto por escrito, pois garante que os condôminos tenham acesso prévio a todas as informações relevantes, possam ouvir argumentos e ponderações diversas, e ainda assim tenham tempo de maturação para formar juízo. Do ponto de vista democrático, trata-se da forma ideal de instrução da vontade coletiva, pois preserva o contraditório, amplia a participação e qualifica o voto.
Por outro lado, é preciso reconhecer que esse procedimento exige duas convocações, dois momentos distintos, planejamento e dedicação da administração e da assessoria jurídica, o que pode representar maior complexidade operacional. Não se trata, portanto, de obrigação, mas de uma recomendação de boa prática.
Na ausência dessa divisão formal, e sendo a assembleia convocada de modo tradicional, com apresentação e votação ocorrendo em uma única sessão, é natural que o condômino que deseje votar antecipadamente não disponha de todos os elementos para formar sua convicção plena. Nessa hipótese, recomenda-se, sim, que ele compareça à reunião, participe dos debates e exerça seu direito de voto com base em todas as informações que puder captar no momento.
O procedimento de sessões separadas tem se mostrado altamente positivo, inclusive para otimizar o tempo de duração das assembleias. Ao separar a fase de debates da fase de votação, é possível evitar sessões excessivamente longas, que muitas vezes exaurem os participantes. A deliberação torna-se mais objetiva e ágil, e a gestão condominial ganha em transparência e eficiência.
- Conclusão
Diante de todo o exposto, impõe-se, por fim, a indagação central: qual o verdadeiro obstáculo legal para que o voto por escrito seja aceito e respeitado no âmbito das assembleias condominiais?
A análise sistemática da Lei nº 4.591/64 e, sobretudo, do Código Civil — em especial no intervalo dos artigos 1.331 a 1.358 — revela a inexistência de qualquer vedação expressa ao voto por escrito. Mais do que isso, constata-se que nenhuma dessas normas sequer menciona, de forma literal, a figura do procurador como instrumento de representação em assembleias condominiais. Ainda assim, é fato consolidado que as procurações são amplamente aceitas, com ou sem regulamentação expressa nas convenções, cabendo a estas últimas apenas estabelecer critérios adicionais — como necessidade de reconhecimento de firma, limitação de poderes ou número máximo de representações.
Logo, admitir a manifestação de vontade por meio de procuração e rejeitar o voto por escrito seria não apenas um contrassenso jurídico, mas um evidente desvio lógico-interpretativo. A outorga de poderes a terceiros é aceita sem previsão legal explícita. O que justificaria, então, a rejeição da manifestação direta e inequívoca da vontade do próprio titular da unidade, registrada por escrito, de forma formal, rastreável e vinculada ao item de pauta? Não há, sob o ponto de vista jurídico, fundamento normativo válido para essa distinção arbitrária – a manifestação direta (voto por escrito) é mais simples e segura que a representação indireta (procuração).
As diversas situações analisadas neste estudo — desde deliberações corriqueiras, como aprovação de contas e eleição de síndico, até temas sensíveis, como alteração de convenção e aplicação de penalidades — demonstram que o voto por escrito é compatível com a estrutura legal do condomínio edilício, desde que sejam respeitados os princípios da publicidade, do contraditório e da boa-fé. As recomendações apresentadas ao longo do texto visam apenas aprimorar o procedimento, tornando-o mais transparente, participativo e seguro, sem que isso implique em qualquer condição de validade.
Muitas das objeções levantadas contra o voto por escrito não decorrem de ilegalidade ou prejuízo efetivo, mas de insatisfação política diante do resultado de determinada votação. São manifestações, não raro, motivadas por grupos que não lograram êxito em influenciar a maioria dos votos e buscam, por meio de formalismos artificiais, deslegitimar a vontade legítima da coletividade.
Nesse cenário, o voto por escrito desponta como uma ferramenta de inclusão democrática, permitindo que condôminos que não se sentem à vontade em ambientes tumultuados, agressivos ou desrespeitosos — infelizmente comuns em certas assembleias — possam exercer seu direito de propriedade, influenciar na gestão do patrimônio comum e participar da vida condominial de forma autônoma e segura. Isso inclui pessoas mais reservadas, idosos, profissionais com agendas restritas, indivíduos com sensibilidade a conflitos, e todos aqueles que, por opção ou necessidade, não podem ou não desejam enfrentar o ambiente adverso das assembleias presenciais.
O presente artigo, assim, propõe a reflexão e a adoção responsável do voto por escrito nos condomínios brasileiros, por meio de normatização interna adequada e com o devido respaldo técnico-jurídico, sem prejuízo das demais formas de participação já consagradas. Trata-se de um avanço legítimo, que amplia o exercício da cidadania condominial, preservando direitos, evitando abusos e fortalecendo a gestão democrática do condomínio edilício.
[1] André Luiz Junqueira é professor, advogado com 20 anos de experiência e autor do livro “Condomínios – Direitos & Deveres”; Sócio titular da Coelho, Junqueira & Roque Advogados, atuante em todo Brasil e que representa cerca de 10% dos condomínios do Rio de Janeiro; Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Veiga de Almeida. MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas; Certificado em Negotiation and Leadership pela Universidade de Harvard; Professor convidado do SECOVIRio, ABADI, Gábor, GP Academy URBX e da Escola Superior de Advocacia (ESA) da OAB/RJ; Consultor jurídico da ABADI; Membro das Comissões de Direito Urbanístico e Imobiliário, Condominial, de Sindicatura Profissional, de Gestão de Propriedades Urbanas e de Turismo da OAB/RJ; Membro e ex-diretor jurídico da ABAMI; Membro da Comissão de Condomínios do IBRADIM; Membro da Comissão de Direito Imobiliário do IAB; Colunista dos portais SíndicoNet, Universo Condomínio e da Revista Síndico – Cidades & Serviços; Consultor da Revista Condomínio etc.
[1] Elisa Cabral Mendonça é advogada integrante da Coelho, Junqueira & Roque Advogados e Consultora Jurídica da ABADI (Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis). Pós-graduação em Direito Imobiliário pela ABADI.